Saturday, October 27, 2012

«O meu querido marido (...) morreu a 27 de Outubro» (ÚLTIMA CARTA de Margarida Luís Gomes)


Tuesday, October 09, 2012

Faleceu NUNO GRANDE (23 de Fevereiro de 1932 - 8 de Outubro de 2012)

Friday, October 05, 2012

1935: O ano da demissão de Abel Salazar (em cartas a Celestino da Costa) (3)

 
(...)
Os elementos da Ditadura no Porto queriam-me impor a «reclamação», o que eu não estava disposto a fazer, nem estou. Propuseram-me concordatas, plataformas, etc., mas eu respondo sempre que não tendo sido nunca político, não tendo ligações políticas, nem pertencendo a nenhum partido, não tinha que fazer concordatas nem reclamações. Sei muito bem que há muito tenho um «cadastro de café», isto é, um cadastro elaborado com «diz-se», com intrigas e mal entendidos; sei muito bem que esse cadastro de café é a única acusação que me fazem, sem no entanto revelarem o tal cadastro. Que pelo contrário nenhum cadastro existe ou pode existir na polícia secreta. A gente da situação sabe isso tudo, e confessa-o. Que tenho eu então que reclamar?
Tenho tomado apenas atitudes intelectuais e filosóficas, se tais palavrões são precisos para definir algumas insignificantes idéias e teorias; nunca falei, nem fiz conferências, nem cursos culturais que não fosse a pedido, em associações legais, em publicações legais, censuradas. Nunca, até agora, o Director, Reitor ou Ministro fizeram a menor observação sobre essas conferências ou cursos; a gente da Situação reconhece-o, confessa-o. Que tenho eu então que reclamar?
Se não sou político, também não estou com esta Situação, tenho esse direito, creio eu, como tenho também o de não entrar para a União Nacional: a gente da Situação reconhece-o. Não tenho portanto nada a reclamar pois não tenho nada a justificar.
Tenho apenas e sempre necessidade de vida intelectual, em manifestações claras, nítidas e leais; e a satisfação dessa necessidade não me consta que seja proibida por lei.
Acusam-me também de sugestionar os estudantes, o que é verdade mas no sentido de se criarem a liberdade de espírito e uma educação científica sólida, em oposição com uma educação metafísica nebulosa e estéril. Sou um inimigo encarniçado da metafísica e não o oculto; defendo nos cursos, em conferências e em escritos, o espírito e a educação científicas contra o espírito e a educação metafísicas. Isto nunca o ocultei nem o oculto, mas creio-me no meu direito. Se eles não o querem, que tenham pelo menos a coragem e a lealdade de o dizerem claramente. Se querem que se faça política «heroicizante» nos cursos, então que se deixem de comédias e não criminem os outros com sofismas.
Disseram-me mais os «delegados» da Situação que isto foi feito para meter medo (sic) . Se assim é, e se eu, com outros, andamos servindo de cabeças de turco, também nada tenho que «reclamar».
Os mesmos «delegados» ameaçaram-me veladamente com o seguinte: 1.° — Que se não reclamasse confessava tacitamente o cadastro de café; 2.° — Que se não reclamasse seria acusado de fazer o jogo das esquerdas, procurando armar em mártir para exploração política. Estas duas ameaças deixo-as ao seu juízo porque ele as classificará como entender... Mas note que é pitoresco: põem-me a andar e ainda me ameaçam de... fazer de mártir!
Não lhe contaria isto se não me tivesse sido dito directamente pelos próprios delegados da Situação. Que disseram ainda: — Estamos num momento de guerra, e nestes momentos tudo se justifica. Ao que respondi ser isto estranho num momento àe normalidade constitucional.
Em resumo, meu caro amigo, repito-lhe o que já disse: não tenho nem tive jamais ligações políticas, nem faço parte de nenhum grupo ou grupelho, e se têm de me acusar de alguma coisa, que o digam, e que não joguem com fantasmas.
Mas precisamente porque não sou político é que nunca aceitei os benefícios que a Ditadura me ofereceu em tempos a troco duma adesão. Todas as minhas aspirações se resumem em viver livremente, trabalhar e ter uma actividade intelectual livre.
Manifestamente que tenho simpatias sociais por esta ou aquela corrente; mas com isso ninguém tem nada; e se eles põem a questão no dilema: «quem não é por nós é contra nós», direi francamente «que não sou por eles e portanto, neste sentido, claramente contra eles». Mas isto é política à força e não por gosto ou por vício ou interesse.
Se o meu caro amigo me pergunta quais as minhas idéias sociais, responder-lhe-ei claramente e lealmente sempre que o queira; mas isso, como sabe, não é o que agora se debate.
Estava resolvido a continuar trabalhando no laboratório como trabalhador livre, voluntário. Não mo permitem, e este abandono do laboratório e do trabalho é, para mim, o mais penoso do caso; mas acabou-se, trabalharei noutras coisas.
(...)
Carta  56 (1936, mesmo assunto)
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(...)
Não lhe mandei ainda as separatas do que tenho publicado porque tenho já preparado o fascículo III do volume III dos trabalhos do Instituto e o fascículo I do volume IV. Mas, sucede o seguinte. A minha deliciosa Faculdade que continua hostilizando-me na sombra em tudo e por tudo, e envenenando a minha situação, recusa-se terminantemente a brochar os referidos fascículos e mesmo a pagar todas as separatas.
Ora isto é, além de patifaria, ilegal, pois todos estes trabalhos, embora publicados depois da minha demissão, foram executados, orçamentados e aprovados pelo Conselho Administrativo antes da minha demissão, como consta de documentos que possuo. Não obstante isto, e passando por cima de todos os direitos, a tal Faculdade (ou lá o que é aquilo...) nega-se, como disse, a distribuir o trabalho que nela foi realizado. Isto com a seguinte pitoresca concessão: o Director consente na distribuição de dois desses trabalhos, escolhidos por ele! Não acha patusco tudo isto, sobretudo a última cláusula? Claro está que isto me encravou e me inutilizou todo o esforço dispendido em circunstâncias bem difíceis. Ajuntarei a isto que a Histologia já está ocupada pela Anatomia, incluindo um atelier de pintura (derrocada completa), e algum material já distribuído como fizeram da outra vez.
Isto tudo, junto à proibição formal de ir à Biblioteca, encravou-me. Tenho um microscópio em casa suficiente, grande quantidade de material preparado, entre ele o que serve de base ao meu velho projecto de descrever a evolução completa do ovário adulto até aos cinco anos, na coelha. Mas se posso publicar nas revistas, não posso tirar separatas em número suficiente, e estou grandemente embaraçado porque, apesar de reduzido o trabalho a tão mínimas condições, no entanto nem assim pude agüentar com as despesas por ele exigidas. Quer dizer, endividei-me e tive de parar com a coisa.
Mantenho porém nesta derrocada a mesma firmeza de ânimo, o mesmo entusiasmo, e a fé de outrora.
Além disso, para demonstrar a patifaria das campanhas levantadas contra mim, comecei a escrever, no Diabo, no Pensamento e em outros locais, artigos de filosofia. Nem a Censura, nem a gente de Situação viu nisso até agora nada de subversivo nem de bolchevista. Ora isto é por escrito precisamente o que eu dizia em cursos e conferências. Vê-se assim a nu a chantagem. Com efeito, a propósito desses artigos, certos personagens continuam a campanha difamatória. Por exemplo, a propósito de um artigo sobre a Escola de Viena, o Diário da Manhã publicou uma local intitulada «Um Malfeitor». Compreende alguma coisa? Que relação há entre alhos e bugalhos? Mas é assim mesmo, e qualquer pessoa, com este caso definido e concreto, pode ver o manifesto parti-pris tendencioso da campanha. «Malfeitor», segundo o tal articulista, por ser um defensor e um propagandista do Empirismo Lógico, do Neo-Positivismo e da Filosofia da Escola de Viena! Quer maior prova de má fé e de estupidez? Agora lembram-se de espalhar outra coisa: que os meus trabalhos não são feitos por mim...
A tese do Bacelar também lhe não foi enviada pela razão acima exposta, isto é, veio da Direcção. O Director proibiu até que qualquer empregado fizesse serviço no Laboratório de Hematologia, única coisa que resta do antigo e defunto Instituto. Eu já pensei em ir para o seu Instituto continuar os meus trabalhos, no que com certeza consentia, trabalhos que passariam a ser integrados na vida do seu Instituto se fosse possível, mas faltam-me para isso recursos. Por muito pouco com que vivesse em Lisboa (400, 500 escudos?) com l conto de reis (que é o que eles me dão por mês) é impossível sustentar esta casa e ir trabalhar em Lisboa. Recebi em tempos propostas de Londres com muita papelada mas até agora nada. Aí tem o balanço da situação.
Deu-me grande prazer o que me diz sobre a tradução da «Embriologia», a publicação do novo volume, e o «Manual». Por um momento pareceu-me reviver os antigos tempos de projectos e de esperanças. Vê-se que nem tudo acabou, mas a situação geral é deplorável.
Pelo menos a Faculdade do Porto foi por completo ao fundo: aquilo, na opinião geral, está um verdadeiro charco de misérias. Faliu.
(...)
Carta 58 (1936, ano da tese de José Bacelar)

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Tudo reproduzido do livro, que se recomenda vivamente:
(Abel Salazar - 96 cartas a Celestino da Costa)

Thursday, October 04, 2012

1935: O ano da demissão de Abel Salazar (em cartas a Celestino da Costa) (2)

(...)
Como lhe disse é desejo meu continuar os meus trabalhos na Faculdade livremente, mas é impossível! Os homens estão ferocíssimos, quer em Lisboa, quer na Faculdade que tem procedido indecentemente.
Em face disso, resolvi continuar os meus trabalhos cá fora, tendo já microscópio e os elementos necessários para reatá-los.
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Tudo se vai pois encaminhando: o Instituto é que se foi à vida. Renovo-lhe o meu pedido (se for possível, claramente) duma bolsa de estudos para a Estrada. A razão deste pedido é a guerra feroz que aqui me fazem na Faculdade, ninguém sabe porquê.
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Carta 49 (1935)
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(...)
O Ministro, em despacho, não só proibiu que eu fosse à Biblioteca da Faculdade, como até que fosse a qualquer dependência universitária. E ao mesmo tempo, em surdina, a Faculdade, ou esta gente dela que muito tem contribuído por detrás da cortina para isto, contínua a guerrear-me. Deram ordem (e afixaram-na) para que ninguém pudesse permanecer nos laboratórios depois das cinco horas, sob o pretexto de se dizer que eu ia para a Faculdade depois das cinco, o que é em absoluto falso. Nunca mais voltei lá, nem de dia nem de noite. É uma perfeita infâmia! Os canalhas o que estão é irritados por eu continuar a trabalhar como se nada fosse.
O meu caro amigo não faz idéia do que se tem passado nos bastidores, e a que ponto chega a torpeza de certos miseráveis. Creia que sou vítima de uma das maiores patifarias que se têm feito neste gênero.
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Carta 50 (1935, data da homenagem a Athias)
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A propósito, tenho dados seguros, testemunhados e documentados, que provam que, entre muitas outras pessoas, duas têm contribuído especialmente para a atmosfera que me foi criada. São elas o Hernâni Monteiro e o Leonardo Coimbra. Ficará surpreendido quando um dia lhe contar o que se tem passado, e o que têm feito e dito estes dois senhores. O último faz há muito tempo, pelos cafés e por toda a parte, uma campanha sistemática contra mim. O que ele tem dito e feito, se não estivesse documentado e testemunhado, seria inacreditável. E o mais singular ainda é o seguinte. O Governo sabe que toda esta campanha é tendenciosa, falsa, e que não há facto nenhum grave de que eu possa ser acusado. Pois bem o Governo que sabe, e que o diz em particular, deixa correr a campanha e serve-se dela porque isso lhe convém.
É uma verdadeira, uma autêntica chantagem, confessada pela própria gente da Situação, como lhe poderei provar. Servi ao Governo ou Situação, ou como se queira dizer, e isto dito por eles próprios, de «cabeça de turco» para manejos políticos. No meio desta miserável chantagem, a única acusação definida e concreta que a Situação contra mim formula, sem segredo, é a seguinte: «Não nos convém na cátedra professores que exerçam uma influência filosófica na massa dos estudantes.» Quer dizer, não admitem quem pensa livremente, mas apenas segundo os dogmas que eles impõem.
Mas como não querem pôr a questão leal e claramente, servem-se destes truques miseráveis. O meu 'bolchevismo', meu caro amigo, é isto apenas. Um dia porei tudo a claro. A campanha continua, apesar de eu estar há meses fechado em casa, sem falar a ninguém; proibido de ir à Escola, proibido de trabalhar na Litografia, proibido de fazer um curso no Silva Porto(*), proibido enfim de trabalhar seja no que for! É realmente, demais!
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(*) Salão Silva Porto, associação artística onde se realizavam exposições na Rua de Cedofeita.
Carta 51 (1935, já que Leonardo Coimbra faleceu no início de Janeiro de 1936)
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Escrevo-lhe hoje a propósito do destino do meu laboratório. O Instituto acabou oficialmente; mantém-se porém na realidade, porque eu continuo a orientá-lo e os assistentes a trabalhar. Quem me vale nesta situação é a D. Adelaide que estabelece a ligação comigo e continua a trabalhar sob a minha orientação. Desta forma, e com o plano já feito, a actividade do antigo Instituto continuará, embora reduzida.
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Para isto se agüentar venho-lhe pois perguntar se seria possível, a exemplo do que a Junta fez com o Pina, Álvaro Rodrigues e Tavares, conceder um subsídio ou bolsa para o fim acima indicado à D. Adelaide que há treze anos trabalha no Instituto sem nada receber.
(...)
Ela ficaria praticamente agüentando e vigiando o laboratório nas circunstâncias actuais para evitar que se perca todo o meu esforço de tantos anos. Porque, se assim não for, sucederá o que já aconteceu quando estive doente, isto é, será tudo posto a saque e tudo desaparecerá.
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Carta 53 (1936, mesmo assunto)
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55
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Reafirmo-lhe o que já uma vez lhe disse, isto é, que nunca tive nem tenho ambições políticas; e que a minha vida é hoje o que sempre foi, inteiramente dedicada à ciência e a problemas e curiosidades intelectuais. Vivo, de resto, depois da minha saída da Faculdade num completo isolamento; passam-se semanas que não saio de casa onde trabalho. São raras as pessoas que aqui vêm, e raros os sítios onde vou.
Confesso-lhe que o que me irrita é não me consentirem em ir ao laboratório, ou pelo menos à Biblioteca do Instituto fazer as consultas bibliográficas, coisa perfeitamente estúpida e sem qualquer utilidade. Que mal poderia eu fazer na Biblioteca: lançar bombas?
O Governador Civil(*) disse-me que «Eles» estão com vontade de me deixar trabalhar (que generosidade!), mas que devo para isso dar-lhes a garantia de lhes comunicar tudo o que eu faço no laboratório em tal caso. Não só dei tal garantia, mas até que me comprometia a não receber lá ninguém e a ninguém falar. Apesar disso, ainda não tive até agora tal licença.
Ora isto embaraça-me, pois que, apesar de eu ter em casa um microscópio e preparações, a cada passo surge a necessidade de fazer novas preparações, ensaios e consultas bibliográficas; e esta proibição absurda tudo entrava.
(...)
A Faculdade de Medicina está em completa decadência, um marasmo completo à mistura com burlas, comédias e misérias. Cinco ou seis vagas e a gente nova totalmente desiludida. Foi-se tudo ao fundo dos nossos velhos projectos: é triste! A charlatanice volta a tomar conta do terreno, apoiada na politiquice. Aqui é uma vergonha o que se está passando na Universidade.
Mas já há catedrático de Higiene no Conservatório de Música! Boa música é isto tudo. Lá se encaixou o Fernando Pires de Lima(**), que para isso de Rolão se fez salazarista. Está de resto tudo cheio de Pires de Limas: dizem os blagueurs que basta levantar uma pedra, logo sai debaixo um Pires de Lima. Uff! E o velhote(***), coitado, está totalmente gagá, mete pena.
(...)
(*) Fernão Couceiro da Costa (1895-1957), catedrático de Matemática na Faculdade de Ciências do Porto, governador civil de 8 de Junho de 1935 a 30 de Junho de 1937.
(**) Fernando de Castro Pires de Lima (1908-1973), médico e etnógrafo, filho de Joaquim Alberto Pires de Lima; inflamado apoiante do Estado Novo, dele existe uma denúncia de Abel Salazar e do dr. Eduardo Santos Silva (filho) como «advogados da desordem, confusão e terror» no Arquivo da PIDE em 1938.
(***) Provavelmente Joaquim Alberto Pires de Lima que foi amigo constante de Abel Salazar e sofreu acidente vascular cerebral de que veio a recuperar parcialmente.
(...)
Carta 55 (1936, mesmo assunto — livro de homenagem a Athias)
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Tudo reproduzido do livro, que se recomenda vivamente:
(Abel Salazar - 96 cartas a Celestino da Costa)

Wednesday, October 03, 2012

1935: O ano da demissão de Abel Salazar (em cartas a Celestino da Costa) (1)


(...)
Recebi hoje um ofício do Director, dizendo-me que o Conselho, em sessão de ontem, resolveu entregar a direcção do Instituto de Histologia ao Amândio Tavares.
Ora o Instituto acaba automaticamente com a minha saída e o Amândio pode apenas substituir-me na cadeira. Tudo isto são coisas burocráticas, de pouca importância.
O que importa é saber se o trabalho poderá continuar aqui sob a égide da Junta(*). Isto tinha grandes vantagens, evitando a interferência da Escola nesses trabalhos, facto que eu temo, porque sei os processos que habitualmente aqui se empregam, as tricas e pequeninas misérias que tudo enrodilham.
Creio que entre a Junta e os laboratórios de investigação existem relações um pouco especiais que tornariam isto talvez possível.
(...)
(*) Celestino da Costa foi presidente da Junta Nacional de Educação de 1934 a 1942.
Carta 46 (7 de Junho de 1935 no dia seguinte ao do Conselho Escolar a que se refere a carta; a demissão saíra no Diário do Governo de 16 de Maio)
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(...)
Enviei ultimamente um ofício ao Conselho pedindo para me utilizar das Bibliotecas da Faculdade. O Conselho, não querendo comprometer-se, enviou o pedido ao Ministro, mas o Reitor devolveu-o ao Conselho dizendo que era preciso este pronunciar-se. Os homens ficaram entupidos, e no meio desta dança cômica eu continuo sem poder sequer pôr os pés na Faculdade! É este o meu maior embaraço, isto é, não poder ir à Biblioteca; porque quanto ao resto, como tenho em casa um microscópio e boas lentes e trouxe muitas preparações, tenho continuado a trabalhar como se nada fosse. E até, coisa curiosa, o trabalho tem-me rendido bastante. A questão do Aparelho Para-Golgiano está definida nas suas grandes linhas e a sua interpretação esboçada. O que me embaraça é não ter quem me dactilografe os manuscritos, o que não posso fazer fora porque é caro.
Conto em breve distribuir novo fascículo dos trabalhos do Instituto que passam a levar apenas o rótulo de «Porto». Desta maneira dou resposta às boas almas que por aqui esfregaram as mãos supondo-me inutilizado. Mas estas coisas excitam-me em vez de me desanimarem.
O dr. Athias disse-me que a Junta já não é livre, e que está nas mãos do governo e da política. Ficam pois sem efeito os pedidos que há tempos lhe fiz.
Eu continuo trabalhando sempre, afastado de todos os ambientes políticos como sempre, mas sem abdicar, até por onde der, da liberdade de opinião. Uma das razões ocultas e claras da má vontade contra mim é o meu combate constante à metafísica como se prova ainda por um recente artigo publicado num jornal da Situação que me descompõe em quatro colunas de prosa, terminando por indicar os meus escritos filosóficos à Censura. E típico o tal artigo, para o meu caro amigo ver a causa destas comédias e a verdadeira razão do que se passou. O artigo em questão refere-se a um escrito meu sobre a escola filosófica de Viena, o Empirismo Lógico, escrito meramente doutrinário. Pois quem ler, e não conhecer o meu escrito, conclui logo que se trata de... bolchevismo! Uff! O bolchevismo subiu-lhes à cabeça.
Enquanto isto se passa o Oliveira Lima passa o tempo a esmoucar o Hernâni e este a fugir por entre as cadeiras, tudo isto com grande gáudio do público... E uma comissão de amigos do Hernâni foi pedir ao Oliveira Lima para deixar descansar os lombos do Nini(*)!... Mas o Oliveira Lima não se contenta com menos do que comê-lo vivo e vai para a Secretaria explicar aos empregados as razões da tapona! Como vê, na Faculdade faz-se ciência a valer — irra!
(...)
(*) Hernâni Monteiro.
Carta 47 (Em 17 de Junho de 1935 Salazar escreveu à Faculdade a perguntar se a sua demissão apenas implicava suspensão da docência podendo continuar a investigar nas instalações do Instituto)
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(...)
Para coroar as minhas arrelias soube agora pelo Pires de Lima que o meu Instituto foi extinto. Diz o Pires de Lima que foi uma ilegalidade contra a qual se fartou de protestar, pois nem o Conselho nem o Senado foram ouvidos como manda a lei.
Que me aconselha? Reclamo? Protesto? Deixo correr? Mando-os à fava? Uff!
Outra coisa. Desta derrocada de que me procuro salvar ficou apenas de pé um dos meus antigos assistentes livres, a Estrada, uma moça que se apaixonou pela Hematologia e que resiste heroicamente a tudo que fizeram para a impedir de trabalhar.
(...)
Foi ela que às escondidas me salvou desta derrocada as preparações, papéis e desenhos em que eu tinha mais empenho.
(...)
Carta 48 (1935 ainda na sequência da demissão)
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