Bento de Jesus Caraça, militante da cultura integral do indivíduo
Jorge Rezende
Departamento de Matemática, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Grupo de Física Matemática da Universidade de Lisboa
Bento de Jesus Caraça nasceu em 1901, em Vila Viçosa, filho de trabalhadores rurais. Viveu os primeiros anos da sua vida na Herdade da Casa Branca, na freguesia de Montoito, onde aprendeu a ler e a escrever com um trabalhador. Tendo notado a sua grande inteligência, a esposa do patrão do pai decidiu encarregar-se dele e custear os seus estudos.
Foi sempre um aluno muito brilhante tendo frequentado liceus em Santarém e Lisboa (Pedro Nunes), e entrado para o Instituto Superior do Comércio, mais tarde designado Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF) – o actual Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) – onde terminou o curso em 1923.
Ainda estudante foi 2º Assistente de Aureliano de Mira Fernandes. Passou a 1º Assistente em 1924 e foi nomeado Professor Catedrático em Dezembro de 1929, a pouco tempo de completar apenas 29 anos.
Nos anos 30 era já uma pessoa com um enorme prestígio, sobretudo entre a juventude. Isso deve-se principalmemte ao facto de ter sido um dos fundadores da Universidade Popular Portuguesa (com apenas 18 anos!) tendo chegado à presidência em 1928, iniciando a sua reactivação e reorganização. Foi aí e noutras associações que deu as suas célebres conferências que começaram a fazer dele uma figura lendária entre as classes populares. De entre aquelas que ficaram célebres destaco «A Vida e Obra de Evaristo Galois», 1932, «Galileo Galilei» - valor científico e valor moral da sua obra», 1933, «Escola Única», 1935, e, particularmente, «A Cultura Integral do Indivíduo - problema central do nosso tempo», 1933. Ver [1].
Também contribuiram para o seu prestígio os inúmeros artigos que escreveu para algumas revistas, como, por exemplo, «A Luta Contra a Guerra», 1932, «Abel e Galois», 1940, «Galileo e Newton», 1942. Respondendo a críticas de António Sérgio, trocou com este várias cartas, na revista Vértice, em 1946, que ficaram célebres como uma das mais importantes disputas ideológicas do nosso século XX. Ver [1].
Em 1936 é fundado o «Núcleo de Matemática, Física e Química», em Lisboa, cujos principais impulsionadores são António da Silveira, Manuel Valadares e António Aniceto Monteiro. Com o o «Núcleo» dá-se início a um movimento muito mais amplo de renovação científica em moldes modernos e com padrões internacionais que, na matemática, veio a ser conhecido como «Movimento Matemático» e que só foi aniquilado em 1946-1947 com as expulsões de muitos professores universitários.
O «Núcleo» contava também com a colaboração muito activa de Bento de Jesus Caraça, que foi um dos seus fundadores – o único que não tinha feito estudos de doutoramento no estrangeiro – tendo sido ele a dar início às suas actividades em 16 de Novembro com a primeira lição de um curso sobre «Cálculo Vectorial». Acompanha este artigo o cartaz que anuncia este curso.
Criado com ambições mais vastas, nomeadamente no que diz respeito à investigação científica, o «Núcleo» limitou-se essencialmente a ministrar cursos de elevado nível, o primeiro dos quais foi o de Bento Caraça. A ideia era a de serem publicados em livro, o que só acabou por ser feito com os ministrados por Bento de Jesus Caraça, Ruy Luís Gomes e Amorim Ferreira, em edições de muito boa qualidade. Embora o fascismo lhe tivesse movido perseguições diversas, entre as quais dificultando a utilização das Universidades, o «Núcleo» acabou por se dissolver, por divergências internas, em 6 de Novembro de 1939.
Mas o «Movimento Matemático» – cujas principais figuras foram António Aniceto Monteiro, Bento Caraça e Ruy Luís Gomes – tinha já dado início a mais iniciativas que, essas, continuaram. Destacarei apenas aquelas em que Bento Caraça participou.
Com Aureliano de Mira Fernandes e Caetano Maria Beirão da Veiga fundou, em 1938, o «Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia», no ISCEF, onde os três eram professores. Foi seu director até à sua extinção, por decisão ministerial, em Outubro de 1946.
Fundou, em 1939, com António Monteiro, Hugo Ribeiro, José da Silva Paulo e Manuel Zaluar, a «Gazeta de Matemática», cujo primeiro número saiu em Janeiro de 1940.
Participou na fundação da «Sociedade Portuguesa de Matemática» (SPM), em 12 de Dezembro de 1940, tendo sido presidente da sua Direcção no biénio de 1943-1944.
Testemunho de toda a efervescência científica da época é a fotografia de conjunto que ilustra este artigo e que foi tirada durante a visita do grande matemático francês Maurice Fréchet à Faculdade de Ciências de Lisboa, na «Escola Politécnica», em 1942, onde fez várias conferências. Podem-se ver, da esquerda para a direita, além do convidado, figuras cimeiras do «Movimento Matemático»: Hugo Ribeiro, Armando Gibert, António Aniceto Monteiro, Manuel Zaluar, Bento de Jesus Caraça, Maurice Fréchet, José Sebastião e Silva, Ruy Luís Gomes, José Ribeiro de Albuquerque, Augusto Sá da Costa.
Em 1941, fundou a «Biblioteca Cosmos», de que foi o único director até Junho de 1948, e que foi a grande resposta cultural adequada ao ambiente de repressão existente. A «Biblioteca Cosmos» editou «145 números correspondendo a 114 títulos agrupados em sete secções»[2], «com uma tiragem global de 793 500 exemplares»[3], e constituiu a mais importante iniciativa de divulgação da ciência e da cultura realizada em Portugal no século XX. António Dias Lourenço conta assim como nasceu a «Cosmos»[4]:
«Em Angra [do Heroísmo, na prisão], Manuel Rodrigues [de Oliveira] encontrou-se com o Bento Gonçalves, já então conhecido como secretário-geral do PCP, e colocou-lhe uma questão: “Ó Bento – eu tenho umas coroas e não sei que lhes hei-de fazer. Está-me a custar perder aquilo de qualquer maneira... Tens alguma ideia da utilidade possam ir a ter?”. E o Bento Gonçalves respondeu: “Sim. Tu podes avançar com uma editora de livros virados para a cultura popular. Bem feitos, para passar as malhas do fascismo. E podes fazer uma coisa com grande expansão – cultural e revolucionária. E olha – a pessoa indicada para dirigir isso é o professor Bento de Jesus Caraça. Vais ter com ele – dizes que vais da minha parte – e pões-lhe esse problema”. Bento de Jesus Caraça aceitou a proposta e assumiu a direcção da colecção. Foi este o ponto de partida para a criação da “Cosmos”».
Foi na «Biblioteca Cosmos» que publicou os dois primeiros volumes do seu livro «Conceitos Fundamentais da Matemática», e que só em 1951 seria publicado na íntegra. É aqui que Bento de Jesus Caraça mostra as suas extraordinárias qualidades de divulgador da Matemática. Este seu livro constitui uma obra que continua a ser referência para quem se quiser iniciar nos aspectos técnicos, históricos e filosóficos desta Ciência. Mantém-se, sem dúvida, até os nossos dias, como o melhor livro de divulgação de Matemática escrito por um português.
Bento de Jesus Caraça participou também activamente na resistência política semi-clandestina e clandestina. Destaco a sua participação no MUNAF e no MUD.
Em Dezembro de 1943 constituiu-se, na clandestinidade, o «Conselho Nacional de Unidade Anti-Fascista», órgão de direcção do «Movimento Nacional de Unidade Anti-Fascista» (MUNAF). Álvaro Cunhal recorda esse facto assim: «O êxito deveu-se em grande parte à acção de B. Caraça, como militante do Partido, graças à sua influência nos meios intelectuais e entre os antifascistas. Acompanhei muito de perto toda essa acção. (...) O Avante! de Janeiro de 1944 confirmando a criação do MUNAF anunciava a formação do Conselho Nacional em que inicialmente entrámos, como representantes do PCP, B. Caraça e eu próprio»[5].
Em 1945, com a fim da guerra, na sequência das manifestações de rua comemorando a vitória sobre o nazi-fascismo, foi fundado o «Movimento de Unidade Democrática» (MUD) a cuja Comissão Central pertencia Bento de Jesus Caraça. Em 1946 o MUD publica o documento «O MUD perante a admissão de Portugal na ONU», assinado pela respectiva Comissão Central, o que conduziu à expulsão da Universidade Técnica de Bento de Jesus Caraça e Mário de Azevedo Gomes por despacho do Ministro da Educação Nacional.
Bento Caraça viria a morrer dois anos depois. Ruy Luís Gomes escreveu o seguinte na Gazeta de Matemática que assinala o seu falecimento:
«Na verdade, Bento Caraça pertenceu ainda a uma geração que fez a sua própria preparação, no domínio da Matemática, numa época em que as nossas Escolas Superiores estavam inteiramente enformadas pelo velho e desastroso conceito de que se pode ser um grande professor universitário sem nunca se ter patenteado, na análise exaustiva de algum problema concreto, a garra ou, pelo menos, o sentido de investigador. (...)
Bento Caraça não foi, pois, um investigador, mas superando o meio em que foi educado e lançando-se desde muito novo nas tarefas do ensino, em breve se juntou aos que deram o primeiro passo para fazer triunfar nas nossas Escolas Superiores uma nova concepção da vida universitária».[6]
Não foi só o acaso que levou a que tenha sido Bento de Jesus Caraça a fazer as palestras que marcam historicamente o início do «Movimento Matemático» e que a sua expulsão em 1946 e a sua morte em 1948 tenham coincidido com o aniquilamento, pelo fascismo, daquele movimento de renovação científica. De facto, Bento de Jesus Caraça simboliza uma época de resistência e de luta pela modernização, pela divulgação e pela popularização da Ciência em Portugal. Simboliza ainda toda uma geração de cientistas, de intelectuais, de trabalhadores, de jovens que lutaram pelo acesso do povo ao Ensino, à Cultura, à Ciência, à Paz e à Liberdade.
Referências
[1] Bento de Jesus Caraça, Conferências e outros escritos. Lisboa, 1978.
[2] António de Sequeira Zilhão, O Prof. Bento de Jesus Caraça, LER editora, Lisboa, 1981.
[3] Manuel Rodrigues de Oliveira, Biblioteca Cosmos -114 títulos com uma tiragem média de 6960 exemplares. Em «Seara Nova» 1472 de Junho de 1968, Bento de Jesus Caraça no 20° aniversário da sua morte – presença e actualidade.
[4] António Dias Lourenço, Bento de Jesus Caraça era uma pessoa admirável.
http://www.pcp.pt/actpol/temas/100-bento-jesus-caraca/testemunho-dias-lourenco.html
http://ruyluisgomes.blogspot.com/2008/08/o-testemunho-de-antnio-dias-loureno.html
[5] Álvaro Cunhal, Bento Caraça – insigne intelectual comunista.
http://www.pcp.pt/actpol/temas/100-bento-jesus-caraca/insigne-intelectual-comunista.html
http://ruyluisgomes.blogspot.com/2008/11/bento-caraa-insigne-intelectual.html
[6] Ruy Luís Gomes, Bento Caraça, grande educador. Em «Gazeta de Matemática» 37-38, Agosto-Dezembro de 1948.
http://ruyluisgomes.blogspot.com/2006/01/transcrio-de-bento-caraa-grande.html
Departamento de Matemática, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Grupo de Física Matemática da Universidade de Lisboa
Bento de Jesus Caraça nasceu em 1901, em Vila Viçosa, filho de trabalhadores rurais. Viveu os primeiros anos da sua vida na Herdade da Casa Branca, na freguesia de Montoito, onde aprendeu a ler e a escrever com um trabalhador. Tendo notado a sua grande inteligência, a esposa do patrão do pai decidiu encarregar-se dele e custear os seus estudos.
Foi sempre um aluno muito brilhante tendo frequentado liceus em Santarém e Lisboa (Pedro Nunes), e entrado para o Instituto Superior do Comércio, mais tarde designado Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF) – o actual Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) – onde terminou o curso em 1923.
Ainda estudante foi 2º Assistente de Aureliano de Mira Fernandes. Passou a 1º Assistente em 1924 e foi nomeado Professor Catedrático em Dezembro de 1929, a pouco tempo de completar apenas 29 anos.
Nos anos 30 era já uma pessoa com um enorme prestígio, sobretudo entre a juventude. Isso deve-se principalmemte ao facto de ter sido um dos fundadores da Universidade Popular Portuguesa (com apenas 18 anos!) tendo chegado à presidência em 1928, iniciando a sua reactivação e reorganização. Foi aí e noutras associações que deu as suas célebres conferências que começaram a fazer dele uma figura lendária entre as classes populares. De entre aquelas que ficaram célebres destaco «A Vida e Obra de Evaristo Galois», 1932, «Galileo Galilei» - valor científico e valor moral da sua obra», 1933, «Escola Única», 1935, e, particularmente, «A Cultura Integral do Indivíduo - problema central do nosso tempo», 1933. Ver [1].
Também contribuiram para o seu prestígio os inúmeros artigos que escreveu para algumas revistas, como, por exemplo, «A Luta Contra a Guerra», 1932, «Abel e Galois», 1940, «Galileo e Newton», 1942. Respondendo a críticas de António Sérgio, trocou com este várias cartas, na revista Vértice, em 1946, que ficaram célebres como uma das mais importantes disputas ideológicas do nosso século XX. Ver [1].
Em 1936 é fundado o «Núcleo de Matemática, Física e Química», em Lisboa, cujos principais impulsionadores são António da Silveira, Manuel Valadares e António Aniceto Monteiro. Com o o «Núcleo» dá-se início a um movimento muito mais amplo de renovação científica em moldes modernos e com padrões internacionais que, na matemática, veio a ser conhecido como «Movimento Matemático» e que só foi aniquilado em 1946-1947 com as expulsões de muitos professores universitários.
O «Núcleo» contava também com a colaboração muito activa de Bento de Jesus Caraça, que foi um dos seus fundadores – o único que não tinha feito estudos de doutoramento no estrangeiro – tendo sido ele a dar início às suas actividades em 16 de Novembro com a primeira lição de um curso sobre «Cálculo Vectorial». Acompanha este artigo o cartaz que anuncia este curso.
Criado com ambições mais vastas, nomeadamente no que diz respeito à investigação científica, o «Núcleo» limitou-se essencialmente a ministrar cursos de elevado nível, o primeiro dos quais foi o de Bento Caraça. A ideia era a de serem publicados em livro, o que só acabou por ser feito com os ministrados por Bento de Jesus Caraça, Ruy Luís Gomes e Amorim Ferreira, em edições de muito boa qualidade. Embora o fascismo lhe tivesse movido perseguições diversas, entre as quais dificultando a utilização das Universidades, o «Núcleo» acabou por se dissolver, por divergências internas, em 6 de Novembro de 1939.
Mas o «Movimento Matemático» – cujas principais figuras foram António Aniceto Monteiro, Bento Caraça e Ruy Luís Gomes – tinha já dado início a mais iniciativas que, essas, continuaram. Destacarei apenas aquelas em que Bento Caraça participou.
Com Aureliano de Mira Fernandes e Caetano Maria Beirão da Veiga fundou, em 1938, o «Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia», no ISCEF, onde os três eram professores. Foi seu director até à sua extinção, por decisão ministerial, em Outubro de 1946.
Fundou, em 1939, com António Monteiro, Hugo Ribeiro, José da Silva Paulo e Manuel Zaluar, a «Gazeta de Matemática», cujo primeiro número saiu em Janeiro de 1940.
Participou na fundação da «Sociedade Portuguesa de Matemática» (SPM), em 12 de Dezembro de 1940, tendo sido presidente da sua Direcção no biénio de 1943-1944.
Testemunho de toda a efervescência científica da época é a fotografia de conjunto que ilustra este artigo e que foi tirada durante a visita do grande matemático francês Maurice Fréchet à Faculdade de Ciências de Lisboa, na «Escola Politécnica», em 1942, onde fez várias conferências. Podem-se ver, da esquerda para a direita, além do convidado, figuras cimeiras do «Movimento Matemático»: Hugo Ribeiro, Armando Gibert, António Aniceto Monteiro, Manuel Zaluar, Bento de Jesus Caraça, Maurice Fréchet, José Sebastião e Silva, Ruy Luís Gomes, José Ribeiro de Albuquerque, Augusto Sá da Costa.
Em 1941, fundou a «Biblioteca Cosmos», de que foi o único director até Junho de 1948, e que foi a grande resposta cultural adequada ao ambiente de repressão existente. A «Biblioteca Cosmos» editou «145 números correspondendo a 114 títulos agrupados em sete secções»[2], «com uma tiragem global de 793 500 exemplares»[3], e constituiu a mais importante iniciativa de divulgação da ciência e da cultura realizada em Portugal no século XX. António Dias Lourenço conta assim como nasceu a «Cosmos»[4]:
«Em Angra [do Heroísmo, na prisão], Manuel Rodrigues [de Oliveira] encontrou-se com o Bento Gonçalves, já então conhecido como secretário-geral do PCP, e colocou-lhe uma questão: “Ó Bento – eu tenho umas coroas e não sei que lhes hei-de fazer. Está-me a custar perder aquilo de qualquer maneira... Tens alguma ideia da utilidade possam ir a ter?”. E o Bento Gonçalves respondeu: “Sim. Tu podes avançar com uma editora de livros virados para a cultura popular. Bem feitos, para passar as malhas do fascismo. E podes fazer uma coisa com grande expansão – cultural e revolucionária. E olha – a pessoa indicada para dirigir isso é o professor Bento de Jesus Caraça. Vais ter com ele – dizes que vais da minha parte – e pões-lhe esse problema”. Bento de Jesus Caraça aceitou a proposta e assumiu a direcção da colecção. Foi este o ponto de partida para a criação da “Cosmos”».
Foi na «Biblioteca Cosmos» que publicou os dois primeiros volumes do seu livro «Conceitos Fundamentais da Matemática», e que só em 1951 seria publicado na íntegra. É aqui que Bento de Jesus Caraça mostra as suas extraordinárias qualidades de divulgador da Matemática. Este seu livro constitui uma obra que continua a ser referência para quem se quiser iniciar nos aspectos técnicos, históricos e filosóficos desta Ciência. Mantém-se, sem dúvida, até os nossos dias, como o melhor livro de divulgação de Matemática escrito por um português.
Bento de Jesus Caraça participou também activamente na resistência política semi-clandestina e clandestina. Destaco a sua participação no MUNAF e no MUD.
Em Dezembro de 1943 constituiu-se, na clandestinidade, o «Conselho Nacional de Unidade Anti-Fascista», órgão de direcção do «Movimento Nacional de Unidade Anti-Fascista» (MUNAF). Álvaro Cunhal recorda esse facto assim: «O êxito deveu-se em grande parte à acção de B. Caraça, como militante do Partido, graças à sua influência nos meios intelectuais e entre os antifascistas. Acompanhei muito de perto toda essa acção. (...) O Avante! de Janeiro de 1944 confirmando a criação do MUNAF anunciava a formação do Conselho Nacional em que inicialmente entrámos, como representantes do PCP, B. Caraça e eu próprio»[5].
Em 1945, com a fim da guerra, na sequência das manifestações de rua comemorando a vitória sobre o nazi-fascismo, foi fundado o «Movimento de Unidade Democrática» (MUD) a cuja Comissão Central pertencia Bento de Jesus Caraça. Em 1946 o MUD publica o documento «O MUD perante a admissão de Portugal na ONU», assinado pela respectiva Comissão Central, o que conduziu à expulsão da Universidade Técnica de Bento de Jesus Caraça e Mário de Azevedo Gomes por despacho do Ministro da Educação Nacional.
Bento Caraça viria a morrer dois anos depois. Ruy Luís Gomes escreveu o seguinte na Gazeta de Matemática que assinala o seu falecimento:
«Na verdade, Bento Caraça pertenceu ainda a uma geração que fez a sua própria preparação, no domínio da Matemática, numa época em que as nossas Escolas Superiores estavam inteiramente enformadas pelo velho e desastroso conceito de que se pode ser um grande professor universitário sem nunca se ter patenteado, na análise exaustiva de algum problema concreto, a garra ou, pelo menos, o sentido de investigador. (...)
Bento Caraça não foi, pois, um investigador, mas superando o meio em que foi educado e lançando-se desde muito novo nas tarefas do ensino, em breve se juntou aos que deram o primeiro passo para fazer triunfar nas nossas Escolas Superiores uma nova concepção da vida universitária».[6]
Não foi só o acaso que levou a que tenha sido Bento de Jesus Caraça a fazer as palestras que marcam historicamente o início do «Movimento Matemático» e que a sua expulsão em 1946 e a sua morte em 1948 tenham coincidido com o aniquilamento, pelo fascismo, daquele movimento de renovação científica. De facto, Bento de Jesus Caraça simboliza uma época de resistência e de luta pela modernização, pela divulgação e pela popularização da Ciência em Portugal. Simboliza ainda toda uma geração de cientistas, de intelectuais, de trabalhadores, de jovens que lutaram pelo acesso do povo ao Ensino, à Cultura, à Ciência, à Paz e à Liberdade.
Referências
[1] Bento de Jesus Caraça, Conferências e outros escritos. Lisboa, 1978.
[2] António de Sequeira Zilhão, O Prof. Bento de Jesus Caraça, LER editora, Lisboa, 1981.
[3] Manuel Rodrigues de Oliveira, Biblioteca Cosmos -114 títulos com uma tiragem média de 6960 exemplares. Em «Seara Nova» 1472 de Junho de 1968, Bento de Jesus Caraça no 20° aniversário da sua morte – presença e actualidade.
[4] António Dias Lourenço, Bento de Jesus Caraça era uma pessoa admirável.
http://www.pcp.pt/actpol/temas/100-bento-jesus-caraca/testemunho-dias-lourenco.html
http://ruyluisgomes.blogspot.com/2008/08/o-testemunho-de-antnio-dias-loureno.html
[5] Álvaro Cunhal, Bento Caraça – insigne intelectual comunista.
http://www.pcp.pt/actpol/temas/100-bento-jesus-caraca/insigne-intelectual-comunista.html
http://ruyluisgomes.blogspot.com/2008/11/bento-caraa-insigne-intelectual.html
[6] Ruy Luís Gomes, Bento Caraça, grande educador. Em «Gazeta de Matemática» 37-38, Agosto-Dezembro de 1948.
http://ruyluisgomes.blogspot.com/2006/01/transcrio-de-bento-caraa-grande.html