«Não compreendo esta fúria contra mim»: carta de Abel Salazar a Celestino da Costa de 1936
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Outra coisa. Na entrevista concedida pelo Prenant ao Jornal do Brasil publicada no último número do Diabo, vinha uma referência a este seu criado. A censura cortou-a. Não compreendo esta fúria contra mim. Desde que saí da Escola tenho estado sempre metido em casa, como sempre à margem de toda a vida política, sem relações nem ligações de qualquer ordem seja com quem for.
Avisam-me porém que está no Ministério da Instrução uma nota segundo a qual eu e o dr. Caraça temos... uma célula comunista! Ora eu só há dias conheci pessoalmente aqui no Porto o dr. Caraça com quem nunca tivera relações nem mesmo por escrito! Uma célula comunista, isto é fantástico! Não há tal célula, nem qualquer ligação seja com o que for, não há nada, absolutamente nada, senão esta mania, esta fúria inventiva, imaginária, contra mim!
Mas porque razão não me sujeitam eles à sindicância que lhes propus? Porque razão recusaram a sindicância? Quem não deve não teme! Sim, que façam uma sindicância, o mais rigorosa possível; e como a Polícia até a casa me vigia, que digam um só facto suspeito que tenham averiguado! Um só! Agora assim uma constante guerra em surdina, por acusações imaginárias, falsas, é uma infâmia. É curioso que o Dr. Correia Pinto, o amigo do Oliveira Salazar, não queria acreditar que me fosse proibido ir sequer à Biblioteca da Faculdade. Disse-me que isso não podia ser... E no entanto é! Isto e muitas coisas mais. Mas porquê? Coisa paradoxal, as minhas ideias expostas em público por escrito não sofrem sequer os cortes da Censura, são pois não perigosas. De que sou enfim acusado. Chego a não perceber a causa deste imbróglio!
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(Abel Salazar - 96 cartas a Celestino da Costa)
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