Sunday, July 17, 2011

Soeiro Pereira Gomes, já doente, em Lisboa

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Quando [Soeiro Pereira Gomes] passou para o Regional do Ribatejo (então já independente do Regional de Lisboa) deixámos de ter contactos durante uns anos. Só depois, na fase em que volta para Lisboa, mas já doente, é que vivemos juntos numa casa que ainda existe cm Campolide. Nessa casa vivia também a Margarida, a Georgette e um outro camarada. Éramos 5. Fui eu até quem acompanhou o Joaquim ao consultório do Dr. Ângelo Pena quando ele teve de ser submetido a uma primeira análise relacionada com a sua doença. Uma análise muito dolorosa que muito me impressionou e não gosto de lembrar.
Ainda voltámos a estar juntos, mas depois ele foi para outra casa. Tinha diagnosticado a si próprio o cancro e, então, passava o tempo a escrever. Escrevia, escrevia, contra o tempo, contra a morte. Mas não pode fazer a revisão total do seu romance Engrenagem, como desejava.
Faleceu 4 dias antes de eu entrar pela primeira vez na prisão. E foi na prisão que pude ler essa obra que o ocupou ate ao seu ultimo alento.
(Depoimento de António Dias Lourenço no livro de Manuela Câncio Reis A Passagem. Uma biografia de Soeiro Pereira Gomes, páginas 165 e 166)

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Uma riqueza de projectos, generosos, que as peripécias da clandestinidade e a doença impediram de realizar. Pereira Gomes teve apenas tempo de cumprir uma promessa e um propósito: corrigir Engrenagem. Álvaro Cunhal lembra uma carta que Soeiro, já muito doente, escreveu ao Partido em que se propunha trabalhar «apenas como escritor», e António Dias Lourenço recorda-o a corrigir o romance poucos meses antes de morrer, quando vivia numa casa em Campolide, em Lisboa. Esgotadas as energias, com o cancro a roer-lhe o peito, Soeiro reivindica a sua vocação de escritor. Retoma, então, as 79 páginas do manuscrito, a cópia que tinha guardado religiosamente ao longo dos cinco anos de clandestinidade, de andanças e de refúgios perdidos, e começa uma obra de revisão não apenas no plano estético, como é comum entre escritores e poetas, mas também, e profundamente, no plano ideológico, o que me parece um caso único na literatura portuguesa, de tal modo que, um pouco paradoxalmente, poderia falar em Engrenagem-um e Engrenagem-dois.
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(Giovanni Ricciardi: Soeiro Pereira Gomes – Uma biografia literária, página 185)
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Soeiro, como representante do Partido Comunista no MUD e no MUNAF, apoia essa candidatura [de Norton de Matos], faz campanha eleitoral, visita o general na sua casa de Ponte Lima na companhia de Azevedo Gomes, Jacinto Simões e do irmão Jaime, mantém ligações com as outras forças democráticas, participa em reuniões e esconde-se, esconde-se, esconde-se sempre. Conta o irmão Alfredo:

Lembro-me de um dia ter ido a casa dum colega, Ribeiro de Albuquerque, professor de matemática. Ele veio receber-me com ar de júbilo e disse-me para esperar que voltaria logo. O que se passava era que essa era uma casa de apoio e o meu irmão Joaquim estava lá. O meu amigo foi perguntar ao Joaquim se me queria ver e ele respondeu que não, pois estas eram as instruções.

Alfredo, tempos depois, em França, conta o que tinha acontecido a Álvaro Cunhal, que confirmou serem essas as instruções, mas que na ocasião Joaquim tinha exagerado um pouco. Outra vez, em Tomar, saiu apressadamente do restaurante e... sem pedir licença, porque, explicará depois ao irmão Jaime, tinha entrado um velho condiscípulo que o poderia reconhecer. Em Lisboa, proíbe Alexandre Cabral, que o acompanhava ao médico na Avenida da Liberdade, de descer do carro, que quase tinha atropelado um peão, dizendo: «'mbora, pá, despacha-te!». O perigo de ser reconhecido, comenta Cabral, era grande, sobretudo em Lisboa, e a defesa também devia ser férrea e rígida.
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(Giovanni Ricciardi: Soeiro Pereira Gomes – Uma biografia literária, páginas 216-217)
Ver ainda:
Fotografia de um conjunto de matemáticos durante a visita de Maurice Fréchet a Lisboa

Nota: «Joaquim» é Joaquim Pereira Gomes, o escritor que assinava Soeiro Pereira Gomes. Assim «Soeiro» é Joaquim Pereira Gomes (1). «Alfredo» e «Jaime» são dois dos seus irmãos, Alfredo Pereira Gomes e Jaime Pereira Gomes. Antes de «Esteiros» Joaquim/Soeiro era conhecido por «Pereira Gomes». A casa de «Campolide» pode ter sido - ou não - a de José Ribeiro de Albuquerque, localizada, de facto, em «Campo de Ourique», na Rua Tomás da Anunciação, 27, 4º E. «Azevedo Gomes» é Mário de Azevedo Gomes, professor do ISCEF, que, em 1946, tinha sido expulso conjuntamente com Bento de Jesus Caraça, como se pode ler neste blogue. No ano de 1949, a que se referem os trechos da «biografia literária» citados, em 25 de Março, Álvaro Cunhal foi preso no Luso. Soeiro Pereira Gomes faleceu nesse ano no dia 5 de Dezembro. O encontro de Alfredo com Álvaro em Paris deve ter-se dado nos anos 60 ou início dos anos 70, depois da fuga de Peniche e da ida do matemático do Brasil para França. Alfredo Pereira Gomes regressou definitivamente a Portugal em 1972. JR

(1) «Envolto em alguma imprecisão está também o momento em que Soeiro decidiu usar o apelido da mãe, tornando-o patente no seu próprio nome. No seu primeiro conto tinha assinado como `J. S. Pereira Gomes", mais tarde adopta apenas os dois últimos apelidos. É nos "Esteiros" que se denota uma certa oscilação: na folha de rosto do original dactilografado com emendas manuscritas, que datamos entre Maio e Agosto de 1941, surge como autoria "Joaquim Pereira Gomes"; na 1ª edição de "Esteiros", aparece pela primeira vez o nome "Soeiro Pereira Gomes" apenas na capa, pois na folha de rosto do livro, a autoria surge como "Pereira Gomes", assim como na 2ª e 3ª edições desta obra, nestes casos na capa e na folha de rosto. Até que ponto Soeiro interferiu nestas escolhas, ou foram decisões da editora?» Soeiro Pereira Gomes - Na Esteira da Liberdade