Saturday, October 09, 2010

A REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 31 DE JANEIRO, por Ruy Luís Gomes (5)


AS RELAÇÕES ECONÓMICAS DE PORTUGAL COM A EUROPA OCIDENTAL E COM O BRASIL

Podemos dizer que um pais está colonizado, quaisquer que sejam as formas jurídicas que cobrem a sua alienação, quando é obrigado a trocar as suas riquezas naturais e o seu trabalho por bens de consumo.
(Marcel Willems)

COM A EUROPA OCIDENTAL
Sendo Portugal, na segunda metade do séc. XIX, um país subdesenvolvido, com cerca de dois terços da sua população activa empregados na agricultura e com predo­minância do desenvolvimento das actividades não directa­mente produtivas no terço restante, era fatal que nas nossas relações económicas com a Europa Ocidental funcionássemos, quanto à exportação, como fonte de produtos do solo e, quanto à importação, como mercado de produtos manufacturados e géneros de alimentação.
Efectivamente, é desse tipo a balança comercial de um país subdesenvolvido com um país industrializado.
Dão a esse facto grande relevo todos os economistas que se debruçaram mais detidamente sobre essa caracterís­tica do nosso comércio externo, como Oliveira Martins, Anselmo de Andrade e Basílio Teles.
Mas vamos concretizá-lo, tomando os dados coligidos por Oliveira Martins para o ano de 1880 (ver [3], II Esta­tística de Portugal) e as indicações de Rebelo da Silva (ver [21]) para o próprio ano de 1890. Esse conjunto de elementos documenta a economia portuguesa como uma economia-tipo de país colonizado.
Segundo o primeiro daqueles estudos, apresentamos, para um total de 20 ooo contos de mercadorias exportadas e como principais artigos:

Vinhos do Porto: 7 ooo contos
Cortiça: 2 800 contos
Gado: 2 000 contos
Frutas e legumes : 1 800 contos
Minérios: 2 000 contos


E, para um total de 32 ooo contos de mercadorias importadas, 19 ooo (6o %) de matérias-primas e produtos manufacturados e 13 ooo (40 %) de produtos de alimentação.
Estes números permitem as seguintes conclusões: 1) um comércio externo mantido pela troca de riquezas naturais por bens de consumo (país colonizado); 2) pesado défice da balança comercial; 3) elevada percentagem de importação de produtos de alimentação revelando uma acen­tuada insuficiência da produção agrícola nacional, apesar de haver um largo excedente da população activa na agricultura (de facto, em regime de desemprego latente ou subemprego).
Os números citados por Rebelo da Silva, no discurso proferido na Câmara dos Pares, nas sessões de 29 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 1892, reforçam aquelas conclusões, conforme o seguinte quadro:

1889: 41 812 (Importação), 23 343 (Exportação)
1890: 44 423 (Importação), 21 536 (Exportação)

a que correspondem défices (1) de 18 ooo e 22 900 contos. E a discriminação das importações dá 8 ooo de produtos de alimentação assim distribuídos (2):

Manteiga, mais de 400 contos
Trigo e milho, mais de 4 000 contos
Açúcar, mais de 2 ooo contos
Azeite, mais de 400 contos
Legumes, batatas, mais de 1 200 contos

Mas estas conclusões não dão ainda o quadro exacto da nossa qualidade de país colonizado (em relação à Europa Ocidental).
Falta acrescentar as trocas de trabalho por bens de consumo e o reforço de dependências económicas resultante do jogo da balança de pagamentos. Quem se destaca do conjunto Europa Ocidental como maior potência colonizadora é precisamente a Inglaterra, cabendo-lhe logo na balança comercial (naquele mesmo ano de 1880) nada menos do que 44 % da totalidade das importações e exportações.
Eram, então, inglesas quase todas as firmas exportadoras de vinho do Porto, tendo chegado a existir nesta cidade uma feitoria inglesa (3) hoje com a designação oficial de Associação Britânica, símbolo dos privilégios dados à Inglaterra e que, pelo Tratado com Portugal, de 19 de Fevereiro de 1810 (Art. 25), se traduziam por cláusulas de exclusivo como estas (4): «que a nenhuma outra nação fosse permitido possuir tais feitorias; e que todas as companhias comerciais portuguesas privilegiadas fossem abolidas em Portugal».
É ainda elucidativo recordar que a Inglaterra tinha feitorias espalhadas por todo o mundo (5), contando-se, entre elas, as de Moscovo, Constantinopla, Cádis, Porto, Rio de Janeiro, Pernambuco, Baía, Pará e África.
Eram inglesas as firmas exportadoras de cortiça, e os minérios (pirites de cobre) provinham das minas de S. Domin­gos, concedidas a firmas inglesas.
As minas da Panasqueira, cuja produção se situa actualmente entre as das primeiras do Mundo ([11], pág. 422), foram concedidas no ano de 1898 a uma sociedade inglesa, Wolfram Mining Company in Portugal, que teve a finan­ciá-la o Banco Burnay, de capitais belgas, e que tão impor­tante papel desempenhou na política da Regeneração.
É ainda do mesmo ano a concessão das minas de cobre de Aljustrel, à Société Anonyme Belge des Mines d'Aljustrel, e o Banco Burnay aparece ligado a muitas outras explorações mineiras (Albergaria-a-Velha, Sever do Vouga, etc.).
Pelo que respeita à Fiação de Tecidos de Algodão (ver [12]), a Inglaterra, em 1880, ainda concorria vantajosa­mente com os produtos nacionais, tinha o monopólio da linha de coser e introduzia 800 ooo peças de pano cru das 840 ooo que se precisavam (segundo [12]).
E em 1889 começa a laborar no Porto a fábrica Graham, de tecidos de algodão, ainda hoje mais conhecida pela designação de Fábrica dos Ingleses. Os principais caminhos-de-ferro — linhas do Norte e do Leste — eram franceses, e os fretes de navegação iam cair todos nas mãos de firmas inglesas, insignificante como era a nossa marinha mercante (ver [3], págs 164 e 148).
São estes elementos todos, associados às caracterís­ticas da nossa balança comercial, que revelam a fisionomia de Portugal como país colonizado, sendo ao capital belga e ao capital inglês que cabe maior importância na penetração do capital estrangeiro.
O comércio com as colónias estava também na depen­dência da Europa Ocidental, como indicam os números relativos ao ano de 1873 (ver [3], pág. 180): soma total da exportação e importação:

Com a metrópole: 1 125 contos
Com o estrangeiro: 7 335 contos

Registemos, ainda, que o ano de 1890, ano de ponta na emigração, é também um ano de ponta no défice da balança comercial: sendo de 12 000 em 1880, sobe naquele ano para 23 ooo (ver [5], pág. 424).

(1) Ou 27 ooo, se juntarmos a importação de ouro e prata.
(2) Mesmo ao nível de consumo actual, Portugal continua a apre­sentar um défice considerável de produtos alimentares; cerca de 20 % do total das importações em 1951 foram para produtos alimentares.
São particularmente baixos os consumos de: leite, manteiga e carne, não atingindo a capitação anual de leite (líquido) 6 litros (ver [22] pág. 167). Quanto à composição das exportações, observam-se, ainda hoje, características análogas às do século passado, sendo os produtos principais — cortiça, resinosos (conservas de peixe), metais não-ferrosos e vinhos do Porto. E a balança comercial da metrópole continua altamente deficitária (mais de 3 milhões de contos de défice em 1953).
(3) Ver [10], pág. 37-40.
(4) Ver [10], pág. 38.
(5) Ver [10], pág. 38.