A noção de tempo, por Ruy Luís Gomes
Transcrição de A noção de tempo (A propósito de dois livros) - Artigo de Ruy Luís Gomes na revista Esfera nº 4 de 1938
[manteve-se a grafia original]
A noção de tempo
A propósito de dois livros
(Especial para ESFERA)
RUY LUIZ GOMES
A propósito de dois livros
(Especial para ESFERA)
RUY LUIZ GOMES
Nada mais agradável para quem trabalha num meio acanhado como o nosso, do que receber, de quando em vez, alguma confirmação autorisada de uma ou outra tentativa de vulgarisação do que se diz e se pensa no mundo culto da actualidade.
Mesmo quando se tenha a íntima convicção de estar no bom caminho, não deixa de surgir a dúvida, a desconfiança. Será de facto assim, estaremos a definir com justeza o aspecto dominante, as grandes linhas do pensamento moderno? Sempre a dúvida pertinaz de quem se sente só, num ambiente de fra[n]ca produção cientifica. Ora, à primeira leitura da "Introdução da Física", por A. Einstein e Infeld e "A noção do tempo", por Esclangon, dois livros recentemente publicadas e que estudam, embora sobre aspectos diferentes, alguns dos mais interessantes problemas de filosofia científica da actualidade, logo à primeira leitura, repetimos, não podemos deixar de os confrontar com o "Pensamento Positivo Contemporâneo" de Abel Salazar.
Einstein e Leopold Infeld, 1938
Abel Salazar
É que em ambos esses livros, cuja leitura aconselhamos aos leitores desta Revista e especialmente aos que desejem sincronisar a sua cultura filosófico-cientifica pelo ritmo actual, se encontra com efeito uma belíssima confirmação do "Pensamento Positivo Contemporâneo".
Prova evidente, portanto, de que o seu autor, transpondo os limites acanhados do meio, soube traduzir as grandes linhas da moderna filosofia científica.
"A Evolução da Física" que é um livro de vulgarisação, e se destina, portanto, ao grande público, traz o nome de Einstein e tanto basta para nos marecer um carinho especial: é o genial creador da Relatividade que nos fala das suas próprias realizações. E é agradável e consolador tomar contacto com a grande figura mental e moral de Einstein – o proscrito do III Reich – acompanhando-a a uma nova exposição elementar das suas célebres teorias.
Ao percorrer as páginas admiráveis de clareza e simplicidade deste livro de vulgarisação, sentimo-nos mais próximos do Homem, aquele que dominando com o seu génio incomparável a insignificância dos preconceitos racistas, nos tem dado a todos um raríssimo exemplo de grandeza moral!
Célebre como sábio e firme como caracter, merece a homenagem constante de todos os homens livres!
O segundo, escrito por um astrónomo – Esclangon é director do Observatório Astronómico de Paris – tem a calma e o rigor de quem se habituou a admirar e interpretar os movimentos dos corpos celestes.
Da-nos por isso mesmo, logo de entrada, uma sensação forte e rassurante, enche-nos de confiança e guia-nos com mão de mestre atravez do domínio delicado e resvaladiço onde o lógico e o experimental se entrelaçam continuamente.
Um e outro, completando-se fornecem-nos os elementos suficientes para podermos analisar e a seguir construir a noção tão discutida e tão actual de tempo.
E é precisamente atravez dessa noção encarada nas suas múltiplas significações – metafísica, psicológica e física que mais flagrante se nos revela a justeza e actualidade dos pontos correspondentes do "Pensamento Positivo Contemporâneo".
Com efeito aí podemos encontrar convenientemente estudados e perfeitamente separados – o aspecto "convencional", arbitrário do tempo enquanto conceito científico e o aspecto imediato, intuitivo de tempo psicológico. Ao passo que o primeiro se revela de uma larga aplicação, com uma estructuração lógica reflectindo directamente o estado da física, da qual deriva e cuja evolução acompanha constantemente; o segundo, ao contrário, tem um domínio de aplicação de limites particularmente estreitos, para alem dos quais se tornam puramente ilusórios.
A simultaneidade, acompanhando imediatamente a noção de tempo, apresenta igualmente os dois aspectos: o subjectivo ao imediato, e o objectivo mediato e convencional .
Síncrono é o que se vê, se ouve, se sente no mesmo instante, mas objectivamente e a distancia, síncrono exige a intervenção de medidas de velocidade, que exigem por seu turno a sincronisação de relógios: dá a indeterminarão do síncrono objectivo. É em volta desta destrinça, síncrono subjectivo e objectivo, que gira toda a crítica de Einstein.
Como se vê, no que diz respeito a simultaneidade como no que diz respeito ao Espaço-Tempo, a crítica relativista tem como resultado libertar o pensamento abstracto das peias da intuição.
"Desta forma o pensamento cientifico encontrava-se entravado não somente com a tirania do intuitivo, e confusão do subjectivo e o objectivo mas também com a extensão absoluta do intuitivo transposto em absoluto metafísico" (1).
Esclangon, no livro que vos citei, diz-nos:
"A extensão da noção de tempo individual imposta pelo jogo da nossa organização a um ser de certo modo infinito, mas inconcebível dominando o Universo e dotado de uma consciência à imagem da nossa, deu origem à ilusão de um tempo realmente existente, independente de todas as coisas e foi preciso o aparecimento da Relatividade para a banir, não sem custo, do espírito dos homens cultos.
Desta maneira, o domínio da ciência foi consideravelmente enriquecido e a ciência deu um grande passo para novas conquistas" .
"Em resumo, fora dos tempos definidos convencionalmente por medidas físicas e que são uma criação da Ciência, não existe senão o tempo subjectivo, próprio a cada ser pensante e cuja natureza intima se conserva misteriosa, obscura e impenetrável".
A simultaneidade por sua vez é completamente convencional, sem significação profunda".
Na conclusão a páginas 69 volta a afirmar: "O tempo não tem existência em si, a noção que todos nós temos é subjectiva e deriva da nossa própria organisação biológica e mental.
Nós projectamo-la no mundo exterior e depois é que tiramos a ilusão irresistivel de um tempo absoluto e universal".
O tempo cientifico é convencional; assenta sobre as medidas físicas coordenadas de formas diferentes e até certo ponto arbitrárias".
Estas simples transcrições elucidam o leitor sobre a concordância dos pontos fundamentais destas duas exposições e, ao mesmo tempo, fornecem-lhe elementos suficientes para a formulação actualisada do interessantíssimo problema do tempo.
(Portugal)
Prova evidente, portanto, de que o seu autor, transpondo os limites acanhados do meio, soube traduzir as grandes linhas da moderna filosofia científica.
"A Evolução da Física" que é um livro de vulgarisação, e se destina, portanto, ao grande público, traz o nome de Einstein e tanto basta para nos marecer um carinho especial: é o genial creador da Relatividade que nos fala das suas próprias realizações. E é agradável e consolador tomar contacto com a grande figura mental e moral de Einstein – o proscrito do III Reich – acompanhando-a a uma nova exposição elementar das suas célebres teorias.
Ao percorrer as páginas admiráveis de clareza e simplicidade deste livro de vulgarisação, sentimo-nos mais próximos do Homem, aquele que dominando com o seu génio incomparável a insignificância dos preconceitos racistas, nos tem dado a todos um raríssimo exemplo de grandeza moral!
Célebre como sábio e firme como caracter, merece a homenagem constante de todos os homens livres!
O segundo, escrito por um astrónomo – Esclangon é director do Observatório Astronómico de Paris – tem a calma e o rigor de quem se habituou a admirar e interpretar os movimentos dos corpos celestes.
Da-nos por isso mesmo, logo de entrada, uma sensação forte e rassurante, enche-nos de confiança e guia-nos com mão de mestre atravez do domínio delicado e resvaladiço onde o lógico e o experimental se entrelaçam continuamente.
Um e outro, completando-se fornecem-nos os elementos suficientes para podermos analisar e a seguir construir a noção tão discutida e tão actual de tempo.
E é precisamente atravez dessa noção encarada nas suas múltiplas significações – metafísica, psicológica e física que mais flagrante se nos revela a justeza e actualidade dos pontos correspondentes do "Pensamento Positivo Contemporâneo".
Com efeito aí podemos encontrar convenientemente estudados e perfeitamente separados – o aspecto "convencional", arbitrário do tempo enquanto conceito científico e o aspecto imediato, intuitivo de tempo psicológico. Ao passo que o primeiro se revela de uma larga aplicação, com uma estructuração lógica reflectindo directamente o estado da física, da qual deriva e cuja evolução acompanha constantemente; o segundo, ao contrário, tem um domínio de aplicação de limites particularmente estreitos, para alem dos quais se tornam puramente ilusórios.
A simultaneidade, acompanhando imediatamente a noção de tempo, apresenta igualmente os dois aspectos: o subjectivo ao imediato, e o objectivo mediato e convencional .
Síncrono é o que se vê, se ouve, se sente no mesmo instante, mas objectivamente e a distancia, síncrono exige a intervenção de medidas de velocidade, que exigem por seu turno a sincronisação de relógios: dá a indeterminarão do síncrono objectivo. É em volta desta destrinça, síncrono subjectivo e objectivo, que gira toda a crítica de Einstein.
Como se vê, no que diz respeito a simultaneidade como no que diz respeito ao Espaço-Tempo, a crítica relativista tem como resultado libertar o pensamento abstracto das peias da intuição.
"Desta forma o pensamento cientifico encontrava-se entravado não somente com a tirania do intuitivo, e confusão do subjectivo e o objectivo mas também com a extensão absoluta do intuitivo transposto em absoluto metafísico" (1).
Esclangon, no livro que vos citei, diz-nos:
"A extensão da noção de tempo individual imposta pelo jogo da nossa organização a um ser de certo modo infinito, mas inconcebível dominando o Universo e dotado de uma consciência à imagem da nossa, deu origem à ilusão de um tempo realmente existente, independente de todas as coisas e foi preciso o aparecimento da Relatividade para a banir, não sem custo, do espírito dos homens cultos.
Desta maneira, o domínio da ciência foi consideravelmente enriquecido e a ciência deu um grande passo para novas conquistas" .
"Em resumo, fora dos tempos definidos convencionalmente por medidas físicas e que são uma criação da Ciência, não existe senão o tempo subjectivo, próprio a cada ser pensante e cuja natureza intima se conserva misteriosa, obscura e impenetrável".
A simultaneidade por sua vez é completamente convencional, sem significação profunda".
Na conclusão a páginas 69 volta a afirmar: "O tempo não tem existência em si, a noção que todos nós temos é subjectiva e deriva da nossa própria organisação biológica e mental.
Nós projectamo-la no mundo exterior e depois é que tiramos a ilusão irresistivel de um tempo absoluto e universal".
O tempo cientifico é convencional; assenta sobre as medidas físicas coordenadas de formas diferentes e até certo ponto arbitrárias".
Estas simples transcrições elucidam o leitor sobre a concordância dos pontos fundamentais destas duas exposições e, ao mesmo tempo, fornecem-lhe elementos suficientes para a formulação actualisada do interessantíssimo problema do tempo.
(Portugal)
(1) Abel Salazar
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