O exemplo de Bento de Jesus Caraça 23 anos depois do 25 de Abril
O exemplo de Bento de Jesus Caraça 23 anos depois do 25 de Abril
Álvaro Cunhal
na Universidade Popular de Setúbal
Álvaro Cunhal
na Universidade Popular de Setúbal
Setúbal, 18 de Abril de 1997
O tema proposto para este colóquio é «o exemplo de Bento de Jesus Caraça e a sua actualidade». É um tema aliciante:
- para melhor conhecimento desse insigne português e da época em que viveu;
- pelo estímulo que representa para aqueles que querem um melhor futuro para o nosso povo e a nossa pátria.
Abordarei pois alguns aspectos fundamentais do exemplo de Bento de Jesus Caraça.
Antes de mais é de sublinhar que Bento de Jesus Caraça deu um exemplo de coerência do pensamento e da acção.
Não se limitou a pensar que a cultura é um dos principais valores da sociedade e que o povo tem direito à cultura. Pensando assim, tornou-se um activo difusor dos conhecimentos e ideias, um activista da democratização da cultura.
Não se limitou a pensar que a ditadura fascista era um regime opressor que reprimia com violência as liberdades e direitos fundamentais dos cidadãos. Pensando assim tornou-se um activo militante da luta antifascista.
Não se limitou a pensar que a guerra é um crime contra a humanidade. Pensando assim tornou-se um activo militante da luta pela paz.
Não se limitou a pensar que o sistema capitalista é um sistema de exploração que necessita de ser ultrapassado com a construção de uma sociedade nova. Pensando assim, tornou-se um militante do Partido Comunista.
Na actual situação nacional e mundial, quando proliferam a mentira, a falsidade, o oportunismo, este exemplo de coerência tem inteira actualidade como um valor na conduta dos seres humanos, de que a sociedade prementemente necessita.
Bento de Jesus Caraça deu o exemplo de um homem da cultura, no mais profundo significado desta palavra e a sua intervenção social constituiu uma contribuição efectiva para a democratização cultural.
Combatia o monopólio da cultura pelas classes dominantes e por elites, e considerava que o acesso do povo à fruição e à criação culturais é um elemento imprenscindível de uma sociedade e de regime verdadeiramente democráticos.
Professor universitário revelou particular talento na difusão de conhecimentos científicos e estimulou a formação de valiosos quadros de cientistas.
Foi organizador e dinamizador das Universidades Populares, como é o caso que a Universidade Popular de Setúbal fez lembrar ao referir que foi Bento de Jesus Caraça que a fundou em 1931 e ao editar em 1996 a intervenção de Bento de Jesus Caraça intitulada «As Universidades Populares e a Cultura» feita em Setúbal nesse mesmo ano de 1931.
Em Lisboa, na Universidade Popular orientou e promoveu importante trabalho cultural, no qual se tornaram célebres as suas conferências bem como de outros destacados antifascistas.
Orientou e impulsionou ainda uma notável série editorial (Colecção Cosmos).
Na situação presente, em que a cultura é submetida e submergida por orientações e realizações determinadas por interesses das forças do poder do capital, o exemplo de Bento de Jesus Caraça tem inteira actualidade e é justamente de lembrar pela notável plêiade de intelectuais portugueses que na complexa situação actual dão exemplos dignos do exemplo de Bento de Jesus Caraça.
Porque este colóquio tem lugar na Universidade Popular de Setúbal, que ele próprio fundou em 1931, comecei por referir, o exemplo de Bento de Jesus de Caraça na área cultural.
É porém de sublinhar que o seu exemplo na área cultural não só é inseparável, como decorria directamente das suas opções ideológicas e políticas.
Assim, Bento de Jesus Caraça deu o exemplo de um firme e dedicado militante antifascista.
O seu nome está ligado à resistência antifascista.
Particularmente significativa foi a sua participação dirigente na criação e desenvolvimento clandestino nos anos 1943/45 do Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF) e de 1945 (fim da 2.a Guerra Mundial, com a derrota do fascismo e a manobra pseudo-democrática de Salazar) até à sua morte em 1948, no Movimento de Unidade Democrática (MUD) que, ultrapassando a barreira da legalidade fascista, se impôs durante alguns anos à luz do dia como expressão legal e semi-legal organizada da resistência antifascista.
Num momento em que no mundo renascem partidos e influências fascistas e neo-fascistas, num momento em que em Portugal reaparecem responsáveis da ditadura salazarista e marcelista pretendendo fazer esquecer os crimes da ditadura e outros organizam e difundem projectos de extrema-direita sob a capa demagógica do populismo, num momento em que o governo PS e PSD preparam uma revisão da Constituição e novas leis eleitorais que, a serem realizadas, representariam a completa subversão do regime democrático, — o exemplo de Bento de Jesus Caraça como intelectual activo e dedicado militante democrático antifascista tem inteira actualidade.
Na vida política, social e cultural, Bento de Jesus Caraça foi mais longe. Deu exemplo de um intelectual companheiro de luta da classe operária, da luta em defesa dos seus interesses de classe, dos seus ideais de transformação revolucionária da sociedade.
Considerava convictamente que, além da libertação da ditadura e da conquista da liberdade, os grandes problemas da humanidade não podem ser resolvidos e a exploração, a opressão, as grandes desigualdades e injustiças sociais não podem ser superadas no quadro do sistema capitalista. Bento de Jesus Caraça foi comunista, membro do Partido Comunista Português.
Como militante comunista fez parte do Conselho Nacional de Unidade Antifascista (órgão supremo do MUNAF) e da Comissão Central do MUD.
Pela sua influência foi um dos obreiros desses grandes movimentos unitários. Sabia aliar o respeito pelas opiniões divergentes e pela busca de acordos unitários com a firmeza da opção política comunista que fizera.
Quando assistimos em Portugal a toda uma campanha de forças e elementos reaccionários, que copiando o que já Salazar dizia, se proclamam eles, reaccionários, «os verdadeiros democratas» e acusam os comunistas de totalitários inimigos da democracia, quando se desenvolve uma gigantesca campanha de pressão ideológica, discriminações sociais, falsificações históricas, contra o PCP; - o exemplo de Bento de Jesus Caraça, intelectual comunista obreiro da unidade democrática, intimamente ligado à luta e ideias dos trabalhadores e do seu partido, tem particular actualidade.
E para terminar,
Bento de Jesus Caraça deu um exemplo de sinceridade, de simplicidade e modéstia na sua intervenção social. Nos diversos aspectos da sua actividade (política, social, cultural) os valores éticos aparecem sempre em relevo.
Foi um protagonista que não protagonizava. Um ser humano que convivia com outros seres humanos num plano de respeito e compreensão. Um homem de muito saber que convivia com os jovens como se jovem fosse.
Quando hoje impera a política-espectáculo, a impunidade da mentira e da falsidade, o carreirismo, a corrida à ribalta daqueles que crêem que a exibição e a máscara é que dão prestígio e fama, o exemplo de simplicidade e modéstia de Bento de Jesus Caraça tem a actualidade de uma chamada de atenção, vinda da memória do tempo, de um cidadão que respeita os outros cidadãos, de um verdadeiro amigo, de um camarada.
A Universidade Popular de Setúbal merece bem os apoios necessários para que o seu futuro não mais atravesse as dificuldades e obstáculos que defrontou no passado.
A actividade da Universidade Popular de Setúbal é um estímulo para que outras e novas Universidades Populares sejam criadas e se desenvolvam com os grandes objectivos culturais, democráticos e humanistas que há já mais de 60 anos Bento de Jesus Caraça traçou.
- para melhor conhecimento desse insigne português e da época em que viveu;
- pelo estímulo que representa para aqueles que querem um melhor futuro para o nosso povo e a nossa pátria.
Abordarei pois alguns aspectos fundamentais do exemplo de Bento de Jesus Caraça.
Antes de mais é de sublinhar que Bento de Jesus Caraça deu um exemplo de coerência do pensamento e da acção.
Não se limitou a pensar que a cultura é um dos principais valores da sociedade e que o povo tem direito à cultura. Pensando assim, tornou-se um activo difusor dos conhecimentos e ideias, um activista da democratização da cultura.
Não se limitou a pensar que a ditadura fascista era um regime opressor que reprimia com violência as liberdades e direitos fundamentais dos cidadãos. Pensando assim tornou-se um activo militante da luta antifascista.
Não se limitou a pensar que a guerra é um crime contra a humanidade. Pensando assim tornou-se um activo militante da luta pela paz.
Não se limitou a pensar que o sistema capitalista é um sistema de exploração que necessita de ser ultrapassado com a construção de uma sociedade nova. Pensando assim, tornou-se um militante do Partido Comunista.
Na actual situação nacional e mundial, quando proliferam a mentira, a falsidade, o oportunismo, este exemplo de coerência tem inteira actualidade como um valor na conduta dos seres humanos, de que a sociedade prementemente necessita.
Bento de Jesus Caraça deu o exemplo de um homem da cultura, no mais profundo significado desta palavra e a sua intervenção social constituiu uma contribuição efectiva para a democratização cultural.
Combatia o monopólio da cultura pelas classes dominantes e por elites, e considerava que o acesso do povo à fruição e à criação culturais é um elemento imprenscindível de uma sociedade e de regime verdadeiramente democráticos.
Professor universitário revelou particular talento na difusão de conhecimentos científicos e estimulou a formação de valiosos quadros de cientistas.
Foi organizador e dinamizador das Universidades Populares, como é o caso que a Universidade Popular de Setúbal fez lembrar ao referir que foi Bento de Jesus Caraça que a fundou em 1931 e ao editar em 1996 a intervenção de Bento de Jesus Caraça intitulada «As Universidades Populares e a Cultura» feita em Setúbal nesse mesmo ano de 1931.
Em Lisboa, na Universidade Popular orientou e promoveu importante trabalho cultural, no qual se tornaram célebres as suas conferências bem como de outros destacados antifascistas.
Orientou e impulsionou ainda uma notável série editorial (Colecção Cosmos).
Na situação presente, em que a cultura é submetida e submergida por orientações e realizações determinadas por interesses das forças do poder do capital, o exemplo de Bento de Jesus Caraça tem inteira actualidade e é justamente de lembrar pela notável plêiade de intelectuais portugueses que na complexa situação actual dão exemplos dignos do exemplo de Bento de Jesus Caraça.
Porque este colóquio tem lugar na Universidade Popular de Setúbal, que ele próprio fundou em 1931, comecei por referir, o exemplo de Bento de Jesus de Caraça na área cultural.
É porém de sublinhar que o seu exemplo na área cultural não só é inseparável, como decorria directamente das suas opções ideológicas e políticas.
Assim, Bento de Jesus Caraça deu o exemplo de um firme e dedicado militante antifascista.
O seu nome está ligado à resistência antifascista.
Particularmente significativa foi a sua participação dirigente na criação e desenvolvimento clandestino nos anos 1943/45 do Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF) e de 1945 (fim da 2.a Guerra Mundial, com a derrota do fascismo e a manobra pseudo-democrática de Salazar) até à sua morte em 1948, no Movimento de Unidade Democrática (MUD) que, ultrapassando a barreira da legalidade fascista, se impôs durante alguns anos à luz do dia como expressão legal e semi-legal organizada da resistência antifascista.
Num momento em que no mundo renascem partidos e influências fascistas e neo-fascistas, num momento em que em Portugal reaparecem responsáveis da ditadura salazarista e marcelista pretendendo fazer esquecer os crimes da ditadura e outros organizam e difundem projectos de extrema-direita sob a capa demagógica do populismo, num momento em que o governo PS e PSD preparam uma revisão da Constituição e novas leis eleitorais que, a serem realizadas, representariam a completa subversão do regime democrático, — o exemplo de Bento de Jesus Caraça como intelectual activo e dedicado militante democrático antifascista tem inteira actualidade.
Na vida política, social e cultural, Bento de Jesus Caraça foi mais longe. Deu exemplo de um intelectual companheiro de luta da classe operária, da luta em defesa dos seus interesses de classe, dos seus ideais de transformação revolucionária da sociedade.
Considerava convictamente que, além da libertação da ditadura e da conquista da liberdade, os grandes problemas da humanidade não podem ser resolvidos e a exploração, a opressão, as grandes desigualdades e injustiças sociais não podem ser superadas no quadro do sistema capitalista. Bento de Jesus Caraça foi comunista, membro do Partido Comunista Português.
Como militante comunista fez parte do Conselho Nacional de Unidade Antifascista (órgão supremo do MUNAF) e da Comissão Central do MUD.
Pela sua influência foi um dos obreiros desses grandes movimentos unitários. Sabia aliar o respeito pelas opiniões divergentes e pela busca de acordos unitários com a firmeza da opção política comunista que fizera.
Quando assistimos em Portugal a toda uma campanha de forças e elementos reaccionários, que copiando o que já Salazar dizia, se proclamam eles, reaccionários, «os verdadeiros democratas» e acusam os comunistas de totalitários inimigos da democracia, quando se desenvolve uma gigantesca campanha de pressão ideológica, discriminações sociais, falsificações históricas, contra o PCP; - o exemplo de Bento de Jesus Caraça, intelectual comunista obreiro da unidade democrática, intimamente ligado à luta e ideias dos trabalhadores e do seu partido, tem particular actualidade.
E para terminar,
Bento de Jesus Caraça deu um exemplo de sinceridade, de simplicidade e modéstia na sua intervenção social. Nos diversos aspectos da sua actividade (política, social, cultural) os valores éticos aparecem sempre em relevo.
Foi um protagonista que não protagonizava. Um ser humano que convivia com outros seres humanos num plano de respeito e compreensão. Um homem de muito saber que convivia com os jovens como se jovem fosse.
Quando hoje impera a política-espectáculo, a impunidade da mentira e da falsidade, o carreirismo, a corrida à ribalta daqueles que crêem que a exibição e a máscara é que dão prestígio e fama, o exemplo de simplicidade e modéstia de Bento de Jesus Caraça tem a actualidade de uma chamada de atenção, vinda da memória do tempo, de um cidadão que respeita os outros cidadãos, de um verdadeiro amigo, de um camarada.
A Universidade Popular de Setúbal merece bem os apoios necessários para que o seu futuro não mais atravesse as dificuldades e obstáculos que defrontou no passado.
A actividade da Universidade Popular de Setúbal é um estímulo para que outras e novas Universidades Populares sejam criadas e se desenvolvam com os grandes objectivos culturais, democráticos e humanistas que há já mais de 60 anos Bento de Jesus Caraça traçou.
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