Saturday, July 05, 2008

Eleições presidenciais de 1951: carta de Quintão Meyreles a Craveiro Lopes

CANDIDATURA À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
(Candidato: Almirante Quintão Meyreles)
COMISSÃO CENTRAL
Rua de S. Julião, 48, 3.º - Tel. 27605
LISBOA

Ex.mo Senhor
General Craveiro Lopes
Lisboa

Ex.mo Senhor,

Quis o destino que dois oficiais generais, um do Exército, outro da Armada – V. Ex.a e eu – nos proposéssemos disputar os votos do eleitorado para a investidura do mais alto cargo da orgânica do Estado Português. Ambos fomos, por certo levados a aceitar esta situação por imperativos de consciência e não por ambição ou com propósito de servir apetites de clientelas que desfrutem ou aspirem a desfrutar as benesses do Poder, disfarçando a sua avidez sob a máscara do mais puro patriotismo.
Não se trata, por outro lado, duma contenda entre partidários e adversários da actual situação política. O que explica o aparecimento das nossas duas candidaturas é a existência, dentro do situacionismo, de duas correntes de opinião – a dos homens que fizeram o «28 de Maio» com o objectivo de destruir o monopólio do Poder por um Partido Único, de tornar eficiente e moral a actividade governativa e de elevar o baixo nível material e espiritual da vida portuguesa, e a dos homens que, aproveitando-se da isenção dos primeiros, se alcandoraram no Poder e acabaram por deturpar e mesmo inverter as intenções iniciais do «28 de Maio».
Se, nesta emergência, os primeiros se resolveram a travar uma batalha eleitoral, fizeram-no sob o acicate do remorço, nascido da convicção das suas responsabilidades morais na produção de um estado de coisas indesejável. E, se abdicando de estreitas finalidades partidárias os democratas portugueses depõem as armas e se propõem secundá-los, deve considerar-se abendiçoado este conjunto de circunstâncias, já que nos pode conduzir à verdadeira Unidade Nacional – aquela que decorre de mútuas abdicações, para fazer surgir um denominador comum ideológico, e à bem diferente da falsa Unidade Nacional, imposta ferreamente por uma coacção de tipo hitleriano ou estaliniano.
Tendo em vista o exposto, a eleição presidencial representará o acto político que há-de permitir verificar qual das duas orientações do situacionismo pode e deve triunfar, e qual dos dois tipos de Unidade Nacional se pretende atingir nesta época caótica da vida universal.
Mas nem eu, nem V. Ex.ª, nos poderíamos considerar legitimamente investidos em funções presidenciais se a vitória da corrente que nos secunda, porventura resultasse de incontestável fraude eleitoral ou de indecorosas inibições opostas à livre manifestação da vontade nacional.
Como V. Ex.ª, escolhido pela União Nacional, como seu candidato, vai beneficiar e está beneficiando dos favores do Estado, entendo que é meu direito e, simultaneamente, meu dever delegar em V. Ex.ª, para o efeito de reclamar dos poderes Públicos absoluta honestidade eleitoral, para o que devemos ser postos em condições de igualdade no tocante a propaganda e fiscalização das urnas e devem abster-se os órgãos do estado de quaisquer coacções ou intervenções tendentes a impedir a liberdade do voto.
Fiando-me, pois, no inegável aprumo moral de V. Ex.ª, militar prestigioso e honrado, posso esperar que V. Ex.ª, forçará os Poderes Públicos a uma atitude de imparcialidade, que, os dois possamos utilizar de modo idêntico, para efeitos de propaganda, a Emissora nacional e as salas de reunião de certos edifícios públicos e que aos delegados dos dois candidatos seja permitida a fiscalização eficiente das mesas eleitorais e das assembleias de apuramento, fiscalização que a lei não impõe, mas também não proíbe.
E em caso de recusa governamental ou de violação de elementares normas de decência eleitoral, invoco desde já a solidariedade de V. Ex.ª, para assumirmos uma atitude comum.
Aguardando a decisão de V. Ex.ª, sobre a matéria desta carta cumpre-me informá-lo lealmente de que lhe darei a publicidade que me for permitida e enviarei cópia ao senhor Presidente do Conselho, para os fins que Sua Excelência, como Chefe do Poder executivo, tiver por mais convenientes.
Afirmando-lhe os meus sentimentos de alta consideração e estima, subscrevo-me

De V. Ex.ª
Camarada, Att.° Vnr. e Obr.
a) Manuel Carlos Quintão Meireles
[sublinhados do autor deste blogue]