O Prof. Ruy Luis Gomes no Recife (Departamento de Matemática - UFPE), por Fernando Cardoso
O Instituto de Física e Matemática da Universidade do Recife (atualmente, Universidade Federal de Pernambuco, UFPE).
No início de fevereiro de 1953 chega ao Recife o Prof. Alfredo Pereira Gomes, convidado pelo então Reitor da Universidade, Prof. Joaquim Amazonas, para estabelecer um Departamento de Matemática na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, recém-criada na UFPE. Tentava-se, assim, repetir o exemplo da Universidade de São Paulo (USP) que na década de 30, convidara professores estrangeiros, na maioria italianos, para fundar departamentos de ciências fundamentais na sua Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, permanecendo a tradição do ensino de ciências exatas na Escola de Engenharia com diplomados em engenharia. Quase a seguir e antes do início do ano letivo, desembarca no Recife, por indicação de Pereira Gomes, o Prof. Manoel Zaluar Nunes, na época em Lisboa. Logo no começo desse ano escolar, Pereira Gomes e Zaluar Nunes foram também contratados, por sugestão do seu Diretor e Professor de Matemática, Newton Maia, para a Escola de Engenharia onde tradicionalmente acorriam alunos mais talentosos e mais bem preparados para o estudo das Ciências Exatas, em especial da Matemática.
Na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Pereira Gomes regia disciplinas de Análise Matemática, inclusive os cursos de Cálculo Diferencial e Integral, enquanto Zaluar Nunes, as de Geometria. Este esforço resultou na criação da Licenciatura em Matemática. Na Escola de Engenharia, por outro lado, foram confiadas a Zaluar as disciplinas de Cálculo Numérico e de Cálculo das Probabilidades, enquanto Pereira Gomes ficara responsável pelos Cálculos.
O fato mais importante entretanto foi o anuncio feito por Luis Freire, Professor de Física das Escolas de Engenharia e de Química, de que em 1954 seria criado na UFPE um Instituto de Física e Matemática (IFM) onde se desenvolveriam atividades matemáticas e físicas extra curriculares, em complementação às do programa oficial, proporcionando estudos de pós-graduação para aperfeiçoar e atualizar a formação científica de licenciados e assistentes. O IFM contava com o patrocínio do recém-constituído (1951) Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) sediado no Rio de Janeiro, e teria como Diretor Luis Freire e como professores na Seção de Matemática, Newton Maia, Pereira Gomes e Zaluar Nunes a quem foi confiada a tarefa de programar a encomenda do núcleo inicial de livros para a Biblioteca e, mais tarde, ser seu primeiro coordenador. A primeira doação feita pelo CNPq, em 1953, foi de 38 caixotes de livros e revistas e o primeiro livro foi registrado em 19/09/53.
Logo nos primeiros anos de sua existência o IFM recebeu a visita de ilustres matemáticos, sobretudo franceses, que a convite de Pereira Gomes, pronunciaram um série de palestras. Dentre eles vale salientar Arnaud Denjoy, do Institut de France, Roger Godement, da Universidade de Paris, e François Bruhat da Universidade de Nancy. Os dois últimos deixaram redigidos resumos das lições (sobre Variedades Diferenciáveis e sobre Álgebras de Lie, Grupos de Lie e Aplicações, respectivamente) que foram publicados como os números 2 e 3 da coleção Textos de Matemática, iniciada por Pereira Gomes em 1955 com o curso de Álgebra Linear e Multilinear (a segunda parte do curso sobre Álgebra Multilinear não chegou a ser publicada). A seguir apareceram os volumes 4 e 5 dos Textos de Matemática, ambos de autoria de S.S. Chern, com títulos Diferentiable Manifolds e Complex Manifolds, respectivamente.
No início de 1960 a UFPE contratou, por indicação de Pereira Gomes, o matemático português José Cardoso Morgado Junior que passaria a ter uma destacada atuação, por cerca de 14 anos, no Departamento de Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e, sobretudo, no IFM, onde foi o orientador de Wolmer Vasconcelos e Aron Simis, hoje professores na Rutgers University e UFPE, respectivamente, e destacados especialistas em Álgebra Comutativa. Nessa altura, as atividades dos matemáticos portugueses no Recife já recebiam a devida atenção em outros centros acadêmicos. Assim é que Pereira Gomes fez parte da Comissão Organizadora do Primeiro e do Segundo Colóquio Brasileiro de Matemática, realizados em Poços de Caldas (Minas Gerais) em 1957 e 1959, respectivamente. Em 1960, Pereira Gomes foi designado pelo CNPq, por três anos, membro do Conselho Diretor do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e, em 1961, Pereira Gomes e José Morgado foram indicados como membros do Conselho Consultivo do Instituto Central de Matemática da recém fundada Universidade de Brasília. Como consequência, as ligações do IFM com os diferentes centros matemáticos do Brasil tornaram-se mais estreitas o que propiciou a passagem pelo Recife como conferencistas, de um grande número de matemáticos, visitando outras instituições. Um registro deste fato é o aparecimento do volume 6 dos Textos de Matemática, cujos autores foram: Leopoldo Nachbin, do IMPA, Luiz Mendonça de Albuquerque, da Universidade de Montpellier, Charles Ehresmann, da Universidade de Paris e Frederico Pimentel Gomes, da Universidade de São Paulo. Nos anos seguintes, em prosseguimento ao programa de conferências, vieram Laurent Schwartz e François Treves, ambos após uma passagem pelo IMPA. Ainda em 1960, Leopoldo Nachbin fez um curso de três meses no Recife, de que resultou o volume 7 dos Textos de Matemática: "Integral de Haar", mais tarde traduzido para o inglês e editado pela Van Nostrand.
A Chegada de Ruy Luis Gomes ao Recife
Em fevereiro de 1962, chega ao Recife, a convite de Pereira Gomes, o Professor Ruy Luis Gomes. Estava ele desde 1958, na Universidade Nacional del Sur, em Bahia Blanca, Argentina, onde conviveu com o seu antigo companheiro da Universidade do Porto, o Professor Antonio Aniceto Monteiro. A sua presença no Recife por doze anos e dois meses teve, como veremos a seguir, uma importância decisiva no futuro do Departamento de Matemática da UFPE (nome dado, a partir de 1968, à Secção de Matemática do IFM) bem como para o Departamento de Física que sucedeu também em 1968 à Secção de Física do antigo IFM. O plano de trabalho de Ruy Luis Gomes com a UFPE previa que suas principais atividades na universidade deveriam ser: pesquisar, orientar um seminário no IFM e lecionar uma disciplina no Curso de Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Fui seu primeiro e, por alguns meses, único orientando no IFM.
Estava na ocasião cursando o quinto e último ano da Escola de Engenharia e já decidido a fazer o meu doutorado em Matemática no exterior. Com a ajuda de Leopoldo Nachbin tentei convencer a Congregação da Escola de Engenharia a me autorizar a passar o ano de 1962, no IMPA, no Rio de Janeiro, voltando no meio e no fim ano para fazer os Exames Finais. A resistência da Escola em atender o meu pleito, me obrigou a desistir desse projeto, fazendo-me permanecer no Recife. A ida de Pereira Gomes para a França, em abril de 1962, para ocupar um posto de professor na Universidade de Nancy, fez com que eu passasse a ser orientado pelo Prof. Ruy. Lembro-me que por sugestão dele, me instalei no seu gabinete, numa escrivaninha ao lado da sua, e assim passamos quase que diariamente a conversar sobre Matemática, muitas vezes preparando eu exposições sobre temas escolhidos por ele. Esta foi uma experiência muito rica e importante para a minha formação matemática, que durou até a minha partida para os E.E.U.U., em setembro de 1963, para cursar o doutorado na New York University. Dessa forma tive também a oportunidade de conhecer e apreciar outros aspectos da fascinante personalidade do Prof. Ruy: sua admirável militância e visão ética da política, seu carater irrepreensível, seu compromisso com a formação matemática de jovens, seu entusiasmo contagiante em convencer a todos nós sobre a necessidade de se fazer um Centro Matemático de respeito no Nordeste do Brasil, enfim sua atitude otimista em relação à vida e seu acentuado humanismo.
É evidente que logo o Prof. Ruy passou a se preocupar com o IFM, de modo geral. Assim é que, juntamente com José Morgado, assumiu a Direção, a partir do no. 14, da Coleção Textos de Matemática e um pouco adiante juntos criaram duas novas coleções: Notas e Comunicações de Matemática e Notas de Curso, a primeira objetivando a publicação preliminar de artigos de pesquisa e a segunda de textos de cursos avançados. Rapidamente estas novas coleções passaram a circular tanto no Brasil como no exterior, sendo inclusive utilizadas, através de permuta, para que a Biblioteca do IFM melhorasse o seu acervo. De fato, durante vários anos permutamos nossas coleções com, por exemplo, os volumes da revista Annales de l'Institut Fourier, editada em Grenoble, França.Durante minha permanência em New York, de setembro de 1963 a dezembro de 1967, novos estudantes, sobretudo de Engenharia, começaram a ter a influência de Ruy Luis Gomes. Nesse período ele lecionou Física-Matemática para um grupo de 5 alunos que mais tarde concluiriam o doutorado em Física em Centros do sul do Brasil e/ou no exterior e que viriam a constituir o embrião inicial do hoje consolidado Departamento de Física da UFPE. O reconhecimento dessa influência está registrado na porta da principal sala de conferência do Departamento de Física, cujo nome é: Auditório Prof. Ruy Luis Gomes.
Ao longo dos anos foi considerável o esforço para ampliar e melhorar a qualidade do acervo da Biblioteca do Departamento de Matemática, não somente em livros mas sobretudo em revistas e coleções, de tal forma que ela viesse a ser, como de fato se tornou, uma das mais completas do país. O Prof. Ruy esteve sempre atento a esta questão e, com o seu prestígio, conseguiu obter importantes recursos financeiros tanto de agências brasileiras como de Instituições estrangeiras como a Fundação Gulbenkian; não é sem propósito que nossa Biblioteca leva o seu nome.
O curso de Mestrado em Matemática da UFPE teve início em 1967 e foi mais uma iniciativa dos professores Ruy Luis Gomes e José Morgado; em 1970 o CNPq reconheceu a UFPE como Centro de Excelência para o Mestrado em Matemática; em 1979 o Mestrado foi credenciado pelo Conselho Federal de Educação. A primeira avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), feita em 1980, atribuiu ao Mestrado o conceito A, o mais alto possível, conceito este que vem sendo mantido deste então.
Em abril de 1974 pelas razões conhecidas de todos os Professores Ruy Luis Gomes e José Morgado retornaram a Portugal para exercer atividades na Universidade do Porto, deixando-nos com a enorme responsabilidade de dar continuidade ao sonho que eles e os seus antecessores portugueses, Pereira Gomes e Zaluar Nunes, iniciaram no Recife ou seja de construir um centro matemático de bom nível no nordeste brasileiro.
O Doutorado em Matemática, iniciado em 1984, foi credenciado em 1991. As atividades de Pós-Graduação e Pesquisa em Matemática contam com o apoio de uma das melhores bibliotecas do país.
Os que conviveram com Ruy Luis Gomes continuam agradecidos pelo grande trabalho que ele realizou no DM da UFPE e, sobretudo, permanecem com a mesma admiração pelo cidadão exemplar que ele foi. Na verdade, o Prof. Ruy em paralelo à militância política que tão bem exerceu durante a sua vida, foi um militante da Ciência, em particular da Matemática, fato não muito comum mesmo entre grandes matemáticos. Assim é que por onde passou, participou da criação e/ou consolidação de Centros de Ensino e Pesquisa, estimulou a formação de jovens pesquisadores e lutou para fixar nas universidades os elementos de valor que nelas se distinguiam.
Por tudo isso, o IFM da UFPE, conquanto lamente a profunda mágoa do Prof. Ruy Luis Gomes em ter de se ausentar do seu país querido e de seus muitos amigos, foi realmente o maior beneficiário desse afastamento, usufruindo em proveito do Brasil do seu valioso cabedal de conhecimentos e virtudes.
No início de fevereiro de 1953 chega ao Recife o Prof. Alfredo Pereira Gomes, convidado pelo então Reitor da Universidade, Prof. Joaquim Amazonas, para estabelecer um Departamento de Matemática na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, recém-criada na UFPE. Tentava-se, assim, repetir o exemplo da Universidade de São Paulo (USP) que na década de 30, convidara professores estrangeiros, na maioria italianos, para fundar departamentos de ciências fundamentais na sua Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, permanecendo a tradição do ensino de ciências exatas na Escola de Engenharia com diplomados em engenharia. Quase a seguir e antes do início do ano letivo, desembarca no Recife, por indicação de Pereira Gomes, o Prof. Manoel Zaluar Nunes, na época em Lisboa. Logo no começo desse ano escolar, Pereira Gomes e Zaluar Nunes foram também contratados, por sugestão do seu Diretor e Professor de Matemática, Newton Maia, para a Escola de Engenharia onde tradicionalmente acorriam alunos mais talentosos e mais bem preparados para o estudo das Ciências Exatas, em especial da Matemática.
Na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Pereira Gomes regia disciplinas de Análise Matemática, inclusive os cursos de Cálculo Diferencial e Integral, enquanto Zaluar Nunes, as de Geometria. Este esforço resultou na criação da Licenciatura em Matemática. Na Escola de Engenharia, por outro lado, foram confiadas a Zaluar as disciplinas de Cálculo Numérico e de Cálculo das Probabilidades, enquanto Pereira Gomes ficara responsável pelos Cálculos.
O fato mais importante entretanto foi o anuncio feito por Luis Freire, Professor de Física das Escolas de Engenharia e de Química, de que em 1954 seria criado na UFPE um Instituto de Física e Matemática (IFM) onde se desenvolveriam atividades matemáticas e físicas extra curriculares, em complementação às do programa oficial, proporcionando estudos de pós-graduação para aperfeiçoar e atualizar a formação científica de licenciados e assistentes. O IFM contava com o patrocínio do recém-constituído (1951) Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) sediado no Rio de Janeiro, e teria como Diretor Luis Freire e como professores na Seção de Matemática, Newton Maia, Pereira Gomes e Zaluar Nunes a quem foi confiada a tarefa de programar a encomenda do núcleo inicial de livros para a Biblioteca e, mais tarde, ser seu primeiro coordenador. A primeira doação feita pelo CNPq, em 1953, foi de 38 caixotes de livros e revistas e o primeiro livro foi registrado em 19/09/53.
Logo nos primeiros anos de sua existência o IFM recebeu a visita de ilustres matemáticos, sobretudo franceses, que a convite de Pereira Gomes, pronunciaram um série de palestras. Dentre eles vale salientar Arnaud Denjoy, do Institut de France, Roger Godement, da Universidade de Paris, e François Bruhat da Universidade de Nancy. Os dois últimos deixaram redigidos resumos das lições (sobre Variedades Diferenciáveis e sobre Álgebras de Lie, Grupos de Lie e Aplicações, respectivamente) que foram publicados como os números 2 e 3 da coleção Textos de Matemática, iniciada por Pereira Gomes em 1955 com o curso de Álgebra Linear e Multilinear (a segunda parte do curso sobre Álgebra Multilinear não chegou a ser publicada). A seguir apareceram os volumes 4 e 5 dos Textos de Matemática, ambos de autoria de S.S. Chern, com títulos Diferentiable Manifolds e Complex Manifolds, respectivamente.
No início de 1960 a UFPE contratou, por indicação de Pereira Gomes, o matemático português José Cardoso Morgado Junior que passaria a ter uma destacada atuação, por cerca de 14 anos, no Departamento de Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e, sobretudo, no IFM, onde foi o orientador de Wolmer Vasconcelos e Aron Simis, hoje professores na Rutgers University e UFPE, respectivamente, e destacados especialistas em Álgebra Comutativa. Nessa altura, as atividades dos matemáticos portugueses no Recife já recebiam a devida atenção em outros centros acadêmicos. Assim é que Pereira Gomes fez parte da Comissão Organizadora do Primeiro e do Segundo Colóquio Brasileiro de Matemática, realizados em Poços de Caldas (Minas Gerais) em 1957 e 1959, respectivamente. Em 1960, Pereira Gomes foi designado pelo CNPq, por três anos, membro do Conselho Diretor do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e, em 1961, Pereira Gomes e José Morgado foram indicados como membros do Conselho Consultivo do Instituto Central de Matemática da recém fundada Universidade de Brasília. Como consequência, as ligações do IFM com os diferentes centros matemáticos do Brasil tornaram-se mais estreitas o que propiciou a passagem pelo Recife como conferencistas, de um grande número de matemáticos, visitando outras instituições. Um registro deste fato é o aparecimento do volume 6 dos Textos de Matemática, cujos autores foram: Leopoldo Nachbin, do IMPA, Luiz Mendonça de Albuquerque, da Universidade de Montpellier, Charles Ehresmann, da Universidade de Paris e Frederico Pimentel Gomes, da Universidade de São Paulo. Nos anos seguintes, em prosseguimento ao programa de conferências, vieram Laurent Schwartz e François Treves, ambos após uma passagem pelo IMPA. Ainda em 1960, Leopoldo Nachbin fez um curso de três meses no Recife, de que resultou o volume 7 dos Textos de Matemática: "Integral de Haar", mais tarde traduzido para o inglês e editado pela Van Nostrand.
A Chegada de Ruy Luis Gomes ao Recife
Em fevereiro de 1962, chega ao Recife, a convite de Pereira Gomes, o Professor Ruy Luis Gomes. Estava ele desde 1958, na Universidade Nacional del Sur, em Bahia Blanca, Argentina, onde conviveu com o seu antigo companheiro da Universidade do Porto, o Professor Antonio Aniceto Monteiro. A sua presença no Recife por doze anos e dois meses teve, como veremos a seguir, uma importância decisiva no futuro do Departamento de Matemática da UFPE (nome dado, a partir de 1968, à Secção de Matemática do IFM) bem como para o Departamento de Física que sucedeu também em 1968 à Secção de Física do antigo IFM. O plano de trabalho de Ruy Luis Gomes com a UFPE previa que suas principais atividades na universidade deveriam ser: pesquisar, orientar um seminário no IFM e lecionar uma disciplina no Curso de Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Fui seu primeiro e, por alguns meses, único orientando no IFM.
Estava na ocasião cursando o quinto e último ano da Escola de Engenharia e já decidido a fazer o meu doutorado em Matemática no exterior. Com a ajuda de Leopoldo Nachbin tentei convencer a Congregação da Escola de Engenharia a me autorizar a passar o ano de 1962, no IMPA, no Rio de Janeiro, voltando no meio e no fim ano para fazer os Exames Finais. A resistência da Escola em atender o meu pleito, me obrigou a desistir desse projeto, fazendo-me permanecer no Recife. A ida de Pereira Gomes para a França, em abril de 1962, para ocupar um posto de professor na Universidade de Nancy, fez com que eu passasse a ser orientado pelo Prof. Ruy. Lembro-me que por sugestão dele, me instalei no seu gabinete, numa escrivaninha ao lado da sua, e assim passamos quase que diariamente a conversar sobre Matemática, muitas vezes preparando eu exposições sobre temas escolhidos por ele. Esta foi uma experiência muito rica e importante para a minha formação matemática, que durou até a minha partida para os E.E.U.U., em setembro de 1963, para cursar o doutorado na New York University. Dessa forma tive também a oportunidade de conhecer e apreciar outros aspectos da fascinante personalidade do Prof. Ruy: sua admirável militância e visão ética da política, seu carater irrepreensível, seu compromisso com a formação matemática de jovens, seu entusiasmo contagiante em convencer a todos nós sobre a necessidade de se fazer um Centro Matemático de respeito no Nordeste do Brasil, enfim sua atitude otimista em relação à vida e seu acentuado humanismo.
É evidente que logo o Prof. Ruy passou a se preocupar com o IFM, de modo geral. Assim é que, juntamente com José Morgado, assumiu a Direção, a partir do no. 14, da Coleção Textos de Matemática e um pouco adiante juntos criaram duas novas coleções: Notas e Comunicações de Matemática e Notas de Curso, a primeira objetivando a publicação preliminar de artigos de pesquisa e a segunda de textos de cursos avançados. Rapidamente estas novas coleções passaram a circular tanto no Brasil como no exterior, sendo inclusive utilizadas, através de permuta, para que a Biblioteca do IFM melhorasse o seu acervo. De fato, durante vários anos permutamos nossas coleções com, por exemplo, os volumes da revista Annales de l'Institut Fourier, editada em Grenoble, França.Durante minha permanência em New York, de setembro de 1963 a dezembro de 1967, novos estudantes, sobretudo de Engenharia, começaram a ter a influência de Ruy Luis Gomes. Nesse período ele lecionou Física-Matemática para um grupo de 5 alunos que mais tarde concluiriam o doutorado em Física em Centros do sul do Brasil e/ou no exterior e que viriam a constituir o embrião inicial do hoje consolidado Departamento de Física da UFPE. O reconhecimento dessa influência está registrado na porta da principal sala de conferência do Departamento de Física, cujo nome é: Auditório Prof. Ruy Luis Gomes.
Ao longo dos anos foi considerável o esforço para ampliar e melhorar a qualidade do acervo da Biblioteca do Departamento de Matemática, não somente em livros mas sobretudo em revistas e coleções, de tal forma que ela viesse a ser, como de fato se tornou, uma das mais completas do país. O Prof. Ruy esteve sempre atento a esta questão e, com o seu prestígio, conseguiu obter importantes recursos financeiros tanto de agências brasileiras como de Instituições estrangeiras como a Fundação Gulbenkian; não é sem propósito que nossa Biblioteca leva o seu nome.
O curso de Mestrado em Matemática da UFPE teve início em 1967 e foi mais uma iniciativa dos professores Ruy Luis Gomes e José Morgado; em 1970 o CNPq reconheceu a UFPE como Centro de Excelência para o Mestrado em Matemática; em 1979 o Mestrado foi credenciado pelo Conselho Federal de Educação. A primeira avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), feita em 1980, atribuiu ao Mestrado o conceito A, o mais alto possível, conceito este que vem sendo mantido deste então.
Em abril de 1974 pelas razões conhecidas de todos os Professores Ruy Luis Gomes e José Morgado retornaram a Portugal para exercer atividades na Universidade do Porto, deixando-nos com a enorme responsabilidade de dar continuidade ao sonho que eles e os seus antecessores portugueses, Pereira Gomes e Zaluar Nunes, iniciaram no Recife ou seja de construir um centro matemático de bom nível no nordeste brasileiro.
O Doutorado em Matemática, iniciado em 1984, foi credenciado em 1991. As atividades de Pós-Graduação e Pesquisa em Matemática contam com o apoio de uma das melhores bibliotecas do país.
Os que conviveram com Ruy Luis Gomes continuam agradecidos pelo grande trabalho que ele realizou no DM da UFPE e, sobretudo, permanecem com a mesma admiração pelo cidadão exemplar que ele foi. Na verdade, o Prof. Ruy em paralelo à militância política que tão bem exerceu durante a sua vida, foi um militante da Ciência, em particular da Matemática, fato não muito comum mesmo entre grandes matemáticos. Assim é que por onde passou, participou da criação e/ou consolidação de Centros de Ensino e Pesquisa, estimulou a formação de jovens pesquisadores e lutou para fixar nas universidades os elementos de valor que nelas se distinguiam.
Por tudo isso, o IFM da UFPE, conquanto lamente a profunda mágoa do Prof. Ruy Luis Gomes em ter de se ausentar do seu país querido e de seus muitos amigos, foi realmente o maior beneficiário desse afastamento, usufruindo em proveito do Brasil do seu valioso cabedal de conhecimentos e virtudes.
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Este artigo foi retirado de O Prof. Ruy Luis Gomes no Recife
Ver também a versão em inglês do CIM Bulletin #15
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