Saturday, January 14, 2006

Excertos de "Investigação Científica" (cinco artigos publicados no Diário de Lisboa), de Ruy Luís Gomes

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Na concepção de W. von Humboldt, que veio a modelar toda a orgânica univeritária alemã nesse período [século XIX até aos nossos dias], estabelecia-se o princípio de que o ensino e a investigação científica deviam estar intimamente ligados, e ao lado das Academias e Universidades figuravam Institutos auxiliares com uma certa autonomia.
Ora, a ideia de Institutos onde a investigação científica aparece já como um domínio à parte, e a condição complementar de que os professores universitários devem ter também funções de investigador envolvem no fundo um novo conceito de ensino, que, revolucionário para 1809, se vai tornando no nosso tempo uma verdadeira banalidade. Com efeito, está aí formulado, num espírito de larga visão, o princípio moderno de que o ensino superior, tomado no seu sentido mais amplo, não pode ser uma simples rotina – pura transmissão de conhecimentos cristalizados em fórmulas definitivas, que, no limite, dão a “sebenta”, símbolo da ronceirice nacional – mas tem de ser também investigação científica, quer dizer, formulação de problemas em constante renovação. E só na medida em que se afirma como investigador é que o professor adquire possibilidades de se realizar integralmente, ensinando técnicas e criando discípulos.
Como disse o matemático António Monteiro, ao definir “Os Objectivos da Junta de Investigação Matemática”: “...nenhum professor poderá iluminar as suas lições com cores vivas e profundas se não tiver vivido os problemas que trata, se não tiver investigado na disciplina que professa” [António Monteiro – Os Objectivos da Junta de Investigação Matemática – Palestra radiofónica – Porto, Maio de 1944].
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Portugal que, infelizmente, tem vivido à margem de todos estes grandes problemas, precisa de mobilizar todos os seus recursos; cada um de nós tem de pôr à prova todas as suas energias, para tentar recuperar o caminho perdido, inspirando-se na experiência e no exemplo das outras nações.
E os investigadores portugueses sentem-se na obrigação e reivindicam o direito de contribuir com o seu esforço e o seu entusiasmo para essa obra, de tão largo alcance para o futuro do nosso povo.
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– A investigação científica que foi inicialmente um simples complemento do ensino superior surge agora, por toda a parte, como uma função autónoma e permanente, que, pela sua importância e largas aplicações, transcende os limites da Universidade;
– Torna-se necessário concebê-la e organizá-la, dentro de cada país, numa escala nacional, pois só assim é possível utilizar e promover ao máximo os progressos da ciência em benefício exclusivo de cada povo e, portanto, da humanidade;
– O ensino tem de sofrer uma cuidada revisão por maneira que sirva para facilitar e não para entravar o ritmo de desenvolvimento da ciência; os professores, que antes de mais nada devem ser investigadores, precisam de incutir nos seus alunos, em todos os graus de ensino, o gosto pelos problemas científicos e a paixão pela investigação.
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Facultemos à nossa juventude o acesso aos centros de trabalho do estrangeiro, contratemos para o nosso país grandes investigadores, criemos à sua volta autênticos Institutos de Investigação, tudo num espírito de ampla visão e profundo sentido de responsabilidades; quebremos de vez com o peso da tradição, a frouxidão nacional, a rotina e teremos dado um passo decisivo para a elevação do nível de vida do nosso povo.
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Reportando-nos ao processo que vem sendo adoptado, há mais de um século, com o maior êxito, por todos os povos civilizados, especialmente pelos Estados Unidos da América do Norte, para formar, num prazo relativamente curto e com as mais seguras garantias de eficiência, um amplo quadro de interesse colectivo capaz de funcionar com bom rendimento, verifica-se que ele se reduz, no essencial, à utilização simultânea e continuada de duas medidas muitos simples e muito naturais:
1 – Envio, em grande número, de jovens qualificados para os melhores centros de investigação do estrangeiro e do próprio país;
2 – Criação de institutos de investigação, que é como quem diz escolas de trabalho, à volta de investigadores já consagrados.
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Fazemo-lo com vibrante optimismo e quase certeza de triunfo, pois, como tivemos ocasião de salientar no artigo anterior, nada nos autoriza a duvidar das qualidades criadoras da nossa juventude; tudo está em lhe assegurar boas condições de trabalho para realizar a sua preparação técnico-científica e ajudá-la depois a transformar o próprio ambiente nacional modelando-o por aquilo que tiver conhecido em países mais progressivos.
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Desde que se perdeu a oportunidade excepcionalíssima que a guerra na Europa no ofereceu, quando tantos e tantos matemáticos, físicos, químicos, biólogos, etc., por aqui passaram a caminho da América, fugidos ao nazismo, não é agora, no momento em que os países libertados se preparam para a reconstrução e que não podem dispensar nenhum dos seus homens da ciência, que nós seremos capazes de os atrir para Portugal.
Deixámos fugir esse momento único para se tentar a criação de um grande Instituto de Investigação Científica e Técnica, e ainda actualmente quando algum investigador estrangeiro, por mero acaso, mostra interesse em trabalhar em Portugal, levantam-se diante de nós as mesmas dificuldades, as mesmas hesitações, as mesmas peias, e tropeçando aqui e acolá acaba por se inutilizar uma iniciativa de real interesse.
Sendo assim, fica-nos como segundo e único meio de enfrentar o problema com probabilidades de êxitos substanciais o de enviar os nossos jovens qualificados para os centros de trabalho no estrangeiro. Mas temos de o fazer, não em pequena escala como até aqui, mas em massa e por longos períodos como quem mandasse todo o país trabalhar durante uns anos para os países onde se sabe efectivamente trabalhar: Estados Unidos, Inglaterra, França, Rússia, Suíça, etc.
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O futuro do nosso povo, em particular, o problema da investigação científica numa escala nacional pressupõe e exige essa mobilização!
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No nosso país, onde aquela associação de esforços [das universidades, da indústria e do Governo] nunca existiu, impõe-se naturalmente, antes de mais nada, a criação de um organismo capaz de inventariar rapidamente o pouco que há – nas universidades, na indústria, nos serviços oficiais – e pôr em marcha todo o plano de investigação científica a uma escala nacional.
Trata-se, portanto, de um organismo que, no seu aspecto político, quero dizer, como instrumento de governo ao serviço do povo, há-de enquadrar-se numa nova concepção de todo o problema português – à luz dos grandes princípios de liberdade e de justiça social pelos quais se bateram as Nações Unidas e que, a pouco e pouco, se vão implantando em toda a parte; e no seu aspecto científico há-de ser constituído por investigadores e técnicos que se tenham já afirmado pelos seus trabalhos, pela sua dedicação e pelo seu entusiasmo.
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Voltamos assim a um novo aspecto do mesmo problema – o da escolha dos quadros dirigentes e técnicos e de investigadores – que já tivemos ocasião de salientar devidamente ao considerar o organismo que, em todo este plano, há-de superintender à organização e coordenação da investigação científica. Kapitsa, o célebre investigador que dirige o Instituto de Física da Academia das Ciências da U.R.S.S., ao analisar, num relatório de 1933, o problema da selecção dos trabalhadores científicos dos institutos de investigação, faz uma série de considerações que nos dizem alguma coisa daquilo que precisamos de ter bem presente entre nós a esse respeito. E fá-lo com a sua grande autoridade – a de ser um investigador de “primeira plana”.
“...Só quem possui verdadeiro talento criador, e assim se comporta na maneira de conduzir o seu trabalho, está em condições de conseguir importantes resultados numa grande ciência. Por esse motivo, a équipe que dirige um Instituto deve ser constituída por um pequeno número de trabalhadores científicos, cuidadosamente escolhidos. E essa équipe tem de se dedicar ao trabalho científico apaixonadamente.
O Instituto deve estar organizado de tal maneira que os investigadores possam dedicar às suas investigações não menos de 80 por cento do seu tempo, ficando os 20 por cento restantes para as outras formas de actividade.
Quem dedica apenas dez ou vinte minutos por dia para dirigir um trabalho científico nunca pode ser um grande investigador”.
O leitor verifica imediatamente que há um verdadeiro abismo entre as condições formuladas por Kapitza, no ambiente do seu notável Instituto de Física, e aquelas que se nos deparam ainda hoje em qualquer dos nossos grandes estabelecimentos – Universidades, Academia das Ciências, Instituto de Investigação!
Mas se quisermos colocar à frente de todo o plano de coordenação da investigação científica um organismo eficiente, temos de inspirar-nos na experiência de países assim progressivos. E, para que as nossas Universidades possam dsempenhar uma parte activa dentro do plano de mobilização nacional que urge iniciar, é necessário adaptar os seus quadros às novas exigências, libertando-se de todos aqueles elementos que não sabem ou não querem trabalhar.
São dois aspectos – no mais alto organismo de Investigação Científica e nas Universidades – do problema da escolha de quadros técnicos dirigentes, e temos de o resolver segundo um critério de elevada competência profissional, exclusivamente.
A consciência nacional assim o reclama!
Investigação Científica - cinco artigos publicados no Diário de Lisboa, 23-4, 14-5, 10-8, 10-9, 22-9-1945.
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