Defesa de Bento de Jesus Caraça
Defesa
O Signatário Bento de Jesus Caraça, professor catedrático de Universidade Técnica de Lisboa, responde aos artigos de acusação que lhe foram presentes:
Ao primeiro artigo
Não se considera o signatário incurso em nenhum dos artigos mencionados pela acusação, visto não ter qualquer responsabilidade na reprodução impressa do documento "O M.U.D. perante a admissão de Portugal na ONU". O signatário é membro da Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática e assume a responsabilidade do texto do referido documento e do envio, em cópias dactilografadas, aos quadros do Movimento. Tal envio não pode de tal modo nenhum ser considerado clandestino, visto o Movimento de Unidade Democrática ser um movimento legal, de que se participou a constituição da respectiva Comissão Central ao Governador Civil de Lisboa, e sendo reconhecido como tal por S. Ex.ª o Presidente da República que mais de uma vez tem recebido a Comissão Central ou documentos emanados dela, o que sucedeu pela última vez no dia 9 do corrente mês de Setembro.(...)
Ao segundo artigo
(...)Não houve portanto da parte do signatário qualquer acção externa contrariando a posição do Estado Português em matéria de política internacional, mas sim uma acção interna, junto dos democratas portugueses, mostrando-lhes os perigos da política interna, antidemocrática do Governo do País.(...) Além de tudo o que fica dito, não parece ao signatário que, do ponto de vista jurídico, lhe possa ser aplicável o disposto no n.º1.º do 3.º do art. 23.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis, dado que, pela natureza da função pública que exerce, nenhum perigo poderia advir para o Estado da sua continuação no exercício dessa função, ainda que fosse exacta a matéria do art.º 2.º da acusação.(...)
Ao terceiro artigo
(...) a) Porque a afirmação de que "o governo celebrou acordos com Nações estrangeiras nos quais é discutível o acautelamento dos interesses nacionais" de modo nenhum constitui uma difamação dos membros do Governo mas a constatação de uma situação de facto, apoiada na própria larga discussão feita na Imprensa Portuguesa com autorização de Censura sobre certos actos de política económica externa do Governo, como por exemplo a que se reportou ao acordo comercial com o Governo Inglês, do principio deste ano.(...) b) E como em política internacional não se concebe a concessão de um beneficio sem contrapartida, a atitude pouco clara do Governo Português a este respeito torna lícito o perguntar até que ponto estes sacrifícios representam o preço ou compensação do apoio externo concedido em termos tão explícitos e calorosos ao Governo Português. (...) O signatário toma pois inteira responsabilidade dos actos que praticou nos termos exactos articulados nesta resposta. Mas continua a ignorar que infracções disciplinares possa ter cometido, pois a acusação que genericamente lhe é feita não concretiza quais os "deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce" que teriam sido violados, nem quais os "deveres gerais dos cidadãos impostos pela lei ou pela moral social", que teriam sido ofendidos. O signatário entende finalmente exprimir aqui claramente que considera o presente processo com uma violência praticada sobre ele contra a letra e o espírito da Constituição, violência contra a qual protesta e protestará, deduzindo de tal atitude de protesto, em tempo oportuno e contra os responsáveis, todas as consequências que julgar úteis à reparação dos danos morais e materiais que este processo vier a causar-lhe.
Lisboa, 18 de Setembro de 1946
Retirado de Defesa BJCaraça
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